odiando-me para não variar só que diante dos meus pais caladinha, a minha irmã mais
esquiva do que os gatos, daqui a nada pula a janela e desaparece na noite, em que
pensavas tu mana, porque estás aqui conosco, o que esperas da vida, às vezes parece-
me teres vontade de te sentares no chão, de queixo sobre as patas, longíssimo de nós,
outras dá-me ideia que um impulso de falar mas não conversas nunca, não sorris, não
te interessas, olhas de pálpebras desfocadas para Sua Excelência, quando daqui a meses
a mãe morrer não choras, cumprimentam-te e tu imóvel, abraçam-te e tu rígida,
consolam-te
(de quê?)
e não escutas, não te vestes de luto, não trazes um lenço apertado no punho, não
levantas o pano que cobre a cara da defunta, não a beijas sequer, uma única frase
distante
- Ah sim?
e eis-te no adro a observar as montras e os semáforos, se eu soubesse onde moravas,
se sonhasse onde trabalhas, um cartório de notário, uma agência de viagens, uma
repartição sei lá, esperava-te no corredor - Só queria ver-te adeus
e afastava-me logo sentindo-te nas minhas costas pelo corredor adiante, há alturas
em que se me afigura que alguma coisa em relação a mim, já não digo amizade, que
exagero, uma pontinha de simpatia, uma pontinha de, que palavra tão grande para ti,
não te assustes, desculpa, estima, veio-me assim e claro que não estima, aliás a gente
os pretos, tão próximos dos macacos, nem sonhamos o que é isso, matamos galos à
dentada, comemos vísceras cruas, não tapamos as vergonhas, desconhecemos tudo
acerca de emoções, os graduados para o alferes, desconfiando de mim - Mais tarde ou mais cedo espere pela pancada o miúdo vinga-se
a sopa da minha mãe um sabor a requentado, ela à mesa conosco percebia-se que
com dores - Não está grande espingarda desculpem
empurrando um bocadinho o desconforto para o lado a fim de poder sorrir com a
expressão que levantou peça a peça pelas bochechas acima e que tremia, a pobre, mal
se aguentando na cara, a minha voz em silêncio, odiando-se a si mesma - Vai cair vai cair
e o alferes quase de mãos estendidas a tentar ampará-la, o que é que você sente
diga-me, como é morrer, durante as chuvas uma mulher e as cabras, duas ou três,
comigo, uma mulher ainda com as orelhas todas tapando-me com um pedaço de esteira
enquanto me introduzia na boca, tenho ideia disso como tenho ideia dos trovões e do
lodo, como tenho ideia dos mabecos a perseguirem um veado, um vértice de peito, isto
pouco nítido, confuso, tão antigo já, o deus Zumbi num nicho, as hastes de liamba
quebradas, Sua Excelência a meio da noite - Não paras de falar
sem que eu a distinguisse de um lençol indignado onde pedalavam tornozelos e do
qual saíam dois dedos que me beliscavam as costas, o meu pai para mim - Assustaste-me com o atraso