a aceitar um copo de água, não um cantil, a aceitar a pastorinha de loiça sobre o
naperon da cômoda, a aceitar o lustrezito do teto, a aceitar-nos a nós embora uma parte
dele a contar os dedos, acocorado num tijolo, à entrada da messe, o meu pai a repetir
para a gente
- Desculpem
enquanto a minha irmã no quintal a olhar para nada, queria tanto que pudesses
ajudar-me mana, não sei bem em quê mas ajudares-me e no entanto como ajudares-
me se nem a ti te ajudas, tens por acaso uma pessoa que, que pergunta mais parva, é
óbvio que não tens ninguém, estás sozinha, não passas de uma palhita que a água vai
levando, se prende um momento a outra palha, se solta, continua, Sua Excelência
demasiado cansada para me tentar humilhar, me dar ordens, fazer pouco de mim com
as amigas, o preto, o escarumba, se abrir a mão cai da árvore o idiota, aqui para nós o
alferes atirador devia ter-me deixado em África a soltar gritos, a fumar caricocos, a
cortar à dentada pescoços de galo aos domingos de manhã e a beber-lhes o sangue, a
dar informações aos meus irmãos das calaches, a receber choques elétricos da mulher
espanhola no posto da polícia política - O camelo parece gostar repara nos dentinhos dele
e daqui a nada manhã meu Deus, daqui a nada ir à oficina da vila buscar gasolina,
apagar a luzinha vermelha, matar o porco e acabada a chinfrineira esquecer-me de Sua
Excelência e partir, fica na aldeia e talvez para o ano a matem, penduram-na pelos pés
sobre as vasilhas, calculam-lhe a artéria do pescoço, aproximam a faca, dois, três ou
quatro camponeses de aventais de borracha com essas botas deslaçadas dos pobres, a
espécie de tênue claridade azul lá fora que antecede a manhã e os primeiros falcões da
serra cravados a martelo no ar vigiando os frangos, os pintos, os primeiros bandos de
patos bravos na direção da lagoa, o primeiro gineto, demorado, a espreguiçar-se nas
moitas e os velhos, um a um, a caminho do largo, o que lembro da mata tão pouco, os
soldados quando o alferes não estava - Quando cresceres vais ser turra
a espiar as armadilhas no arame, a contar os militares, a descrever as posições dos
morteiros e o lugar do paiol, o sueco que vinha buscar fuba com os outros anotava tudo,
com uma pontita de lápis, num bloco, a minha mãe para Sua Excelência e para mim - Não descansam umas horas ao menos?
e então pela primeira vez desde que saí do automóvel com a mala, não sei a que
distância daqui, dei fé que tinha corpo ou seja não bem corpo, uma coisa mole e sem
limites definidos renitente a deslocar-se, suspensa de mim, pesando-me, que tentei
conduzir para o quarto puxando-a a mãos ambas pelo soalho fora enquanto Sua
Excelência mancava a seguir-me de sapatos enganchados no indicador e no médio e um
dos calcanhares penoso porque um desnível no alcatrão o entortou de modo, palavra
de honra, que quase tive dó de ti, tive dó de ti, dó de ti a sério, deves ser infeliz, tens de
ser infeliz, quero que sejas infeliz e ao mesmo tempo não quero, sou um marido preto
a cheirar a preto - Não cheira a preto ele?
e para além de cheirar a preto aquele nariz esborrachado, aquela boca grossa, aquele
cabelo impossível de pentear a não ser com um prego ou um caco de vidro, aquele