muito mais bem vestidos do que eu, sem me estenderem as latas ferrugentas pedindo
comida, desprezando-me isto é não me olhando sequer, nunca dei por calças tão bem
engomadas, nunca vi sapatos tão engraxados, nunca senti tanto cheiro de perfume
francês, nunca desejei tanto estar com uma arma como nessa altura e varrê-los, olhar
os corpos deles no chão, pulando a cada bala, nunca me apeteceu tanto pedir a faca a
um cabo e cortar-lhes as orelhas, as mãos, as partes que iriam usar dali a horas, o meu
filho para mim sem poisar o café
- Pai
e o Bichezas morto porque eles o mataram às voltas com a sua mosca debaixo da
terra, a minha nora a levantar-se com medo, o meu filho apoiando os nós dos dedos na
mesa sem me reconhecer, a reconhecer-me sem me reconhecer - O que se passa contigo pai?
enquanto um milhafre girava em círculos lentos sobre o arame farpado, enquanto a
chama ardia ao fundo, enquanto o chimbanda exibia ao povo - Euá
o galo degolado com cujo sangue ele desenhava no próprio corpo, dançando sempre,
arabescos sem fim, vejo nos vossos semblantes a alegria de irem servir a Pátria, vejo nos
vossos semblantes, passo de corrida marche, a alegria de irem servir à Pátria, vejo nos
vossos semblantes a alegria, mata mata, queima queima, de irem servir à Pátria, os
pretos quase à entrada do bar sem me olharem, o meu filho - Pare com isso pai
e paro com isso o quê, tu não vês que não consigo parar, por mais que tente e palavra
de honra que tento, peço-te que acredites em mim, por mais que tente não consigo
parar, o primeiro preto voltou-se mas o fogo da metralhadora empurrou-o contra o
candeeiro e foi descendo até ao chão sacudindo-se, de joelhos sobre a própria sombra
e depois estendido de bruços - Meu gorila de merda meu gorila de merda
junto à porta do bar, o segundo tentou crescer para nós de palma ao alto - Amigos
porém a primeira rajada do apontador lançou-o contra o automóvel, a segunda
manteve-o de pé, a terceira dobrou-o pelo estômago enquanto erguia o braço - Muata
e escorregava devagarinho do capô baloiçando num último - Muata
ininterrupto, ao entrar em casa a minha mulher na sua voz tranquila sem interromper
o movimento da agulha - Não é tarde pois não?
nem reparar no camuflado, nem reparar na gê três, nem reparar nos meus dedos
enormes, na minha voz que se odiava a si mesma - O que as pessoas gostam de se ouvir falar nas reuniões do trabalho meu Deus
e enquanto o meu filho, aliviado, retomava o café - Disfarçou bem vá lá
sentei-me no meu lugar do sofá, propus - Vamos para a cama ao menos?