minha mente gravasse o enredo central, talvez alguma fala, talvez algum adjetivo
e, em seguida, para garantir o registro, eu anotasse num pedaço de papel.
Um novo texto nasce. Essa fase é importante para mim pois minha memória
é muito visual. Tenho necessidade de arrumar tudo em forma de parágrafos, de
conseguir observar o tamanho da história toda e, por fim, poder editar. Essa redação
se forma a partir da sequência das ações centrais, elaborada após a leitura ou escuta
e, ganha sentenças das versões dos livros quando julgo serem interessantes, ou
enxertos de minha autoria.
O que parece ser uma versão final ainda receberá novos brilhos, assim que
virar performance. É no contato com os espectadores que a história vai sendo
“amaciada”. Surgem, em cena, vindos sabe-se lá de onde, como um estalo,
elementos diversos. Pode ser um som, uma pausa, um gesto. Ou uma palavra, uma
pergunta, uma expressão. É algo muito rápido e que não se prepara, não se sabe se
vai acontecer. Não creio que exista alguma técnica para ensinar a fazer. Apenas
observação, leitura de mundo, contato com gente.
No conto “João Bobo” experimentei essa criação várias vezes e, ao longo
dos anos e das repetições, cada uma foi sendo somada. Trata-se de uma história
cômica e, por isso, permite a brincadeira com mais flexibilidade. No início, antes
de apresentar o personagem e explicar a origem de seu apelido, pergunto à plateia
se tem alguém que se chama João. Quase sempre tem. Chamo a atenção para o fato
de os pais gostarem de dar um segundo nome, para fazer composição com o
primeiro. Eis que as crianças citam os casos que conhecem: João Paulo, João
Gustavo, João Henrique, João Vitor e por aí vai. Depois então, digo que “O João da
história que eu vou contar não ganhou um segundo nome, era só João. Mas, acabou
ganhando um apelido. Todos o chamavam de João Bobo. Isso porque ele era muito
distraído”. Em outro momento, ao relatar que a princesa não ria nunca, descrevo
seu dia-a-dia monótono, sempre “sentada perto de uma janela, olhando para fora.
Sempre séria, com cara azeda (faço a expressão com o rosto). Sabe cara de quem
chupou um limão?” Todos sabem, identificam pela feição e pela memória do gosto
da fruta. Temos risadas. Assim ocorreu com a galinha que, agoniada, bica a mão do
garoto e em alguma apresentação ganhou voz.