arte de tecer
Após o processo de escolha dos contos, iniciei o trabalho de adaptação, de
pensar a forma como cada um seria apresentado. Isso porque, por experiência, sabia
que ao devolvê-lo para a oralidade, ele sofreria alterações. A história escrita se
comporta, tem características, interage e toca o receptor de maneira diferente que a
história falada. Na narrativa oral não há possibilidade de releitura. Em caso de
incompreensão de alguma passagem ou palavra, o ouvinte não tem como voltar,
refazer o percurso, ou mesmo interrompê-lo para pesquisar no dicionário. Por isso,
o registro textual, no caso dos contos populares, acaba sendo simples, seguindo uma
ordem direta. Também, por isso, os sinais gráficos – travessões, aspas, exclamações
- acabam sendo representados pela entonação da voz ou gestos.
A contação de histórias rompe com os modelos de gêneros literários,
valendo-se de diversos elementos de cada um. Por vezes épica, em outras, lírica e
também dramática, a narração artística permite a fusão e a alternância de todos. Pois
ao passar da escritura - de onde comumente parte - para a oralidade, o contador
explora a complexidade dessa transição, ciente de que a performance flexibiliza o
que na escrita está enrijecido.
O texto escrito exige normas e foi concebido na racionalidade. Já o texto
dito extravasa as fronteiras da pontuação, do emprego dos discursos e da escolha
lexical. Isso porque ele é uma tessitura viva, em constante mutação.
Transformar um texto escrito em performance acarreta, muitas vezes, em
corrompê-lo. Para que se torne compreensível ao ouvinte, é preciso transgredir a
gramática e ordenamentos da oração e, assim, definir um novo texto. Claro que são
alterações sutis que estão a serviço da boa realização da narração, e que no caso de
textos de autoria carecem de mais moderação, em respeito à assinatura do escritor.
Certa vez, ao estudar o conto “De seu coração partido” de Marina Colasanti
para uma apresentação, reparei em uma passagem que, ao ser ouvida, ecoaria
confusa: “Essa seda agora muda – pensava a costureira enquanto a agulha que
retinha nos dedos ia e vinha – haveria de farfalhar sobre mármores, ondeando a cada
passo da dama (...)”. Como a representação dos travessões e o sentido ofertado pelo
uso do aposto poderiam não ser interpretados com clareza, optei por fazer a