Eu nasci e cresci numa cidade de tradição têxtil, conhecida como o
Berço da Fiação Catarinense. Após a colonização, teares importados da
Europa alavancaram a economia do município de Brusque. Lembro de visitar,
na época de escola, as grandes fábricas de tecido, com seus cheiros fortes de
algodão cru. Foi assim que eu descobri que o algodão de verdade, como era
colhido do pé, não era branquinho como o que a gente comprava na farmácia,
e sim tinha cor bege, com várias impurezas.
Na minha casa sempre convivi com linhas, agulhas, tecidos. Eu herdei
e aprendi a trabalhar com isso com as mulheres da minha família: minha mãe,
minhas tias, minha avó.
As blusas de lã, gorros e cachecóis eram feitos de tricô, pelas mãos
habilidosas da minha tia. Ela era também minha madrinha, e costurou todos
os meus vestidos mais importantes, desde o que usei na festinha de um ano até
os de formatura.
Lá em casa as toalhas de banho tinham a barra bordada em ponto cruz,
muitas vezes com o nome do proprietário, em letra cursiva, enfeitada de
florzinhas. Os panos de prato eram decorados com crochê. O ponto cruz
aparecia muito. Em cortinas, almofadas, e toalhas, como essa que foi bordada
pela minha mãe.
Eu aprendi a usar a agulha quando criança ainda, ao fazer roupinhas
para as bonecas com retalhos. Furei o dedo muitas vezes e a imagem do sangue
brotando da pele seguida pelo sabor dele quando dissolvido na saliva, são uma
viagem pela memória.
E por falar em retalhos, lembrei da história de um homem chamado
Khaim.
No final de “O brocado maravilhoso” encontro-me sentada, retomando o
trabalho com o panô de feltro. Então, esse segundo texto de “costura” é dito
enquanto dou os pontos, o que continua ocorrendo no início da próxima história.
Vou cosendo e falando com a plateia e, assim, estreitando o laço intimista que o
espetáculo propõe. Ao saber sobre fatos de minha vida, minha família, o espectador
dissipa a fronteira entre a cena e ele, por meio da empatia.