Sexta-feira,3deabrilde2020 |Valor| 23
infectadossomariam7bilhões(em 7,7 bi-
lhõesde habitantes do planeta)e 40,6 mi-
lhõesmorreriam.Ou seja,seriao mesmo
que simplesmentevarrerdo mapapopula-
ções inteirasdepaísescomoaEspanhaou a
Colômbia.Na segundahipótese,seriaado-
tadaumaestratégiadeisolamentosparciais,
reduzindoem 42% as interaçõesentreindi-
víduos.Se as medidasabrangessemapenas
idosos,o númerode mortescairiapara 20
milhões.E ototal de doentesgraves supera-
ria em oito vezesa capacidadedos hospitais
no mundodesenvolvido.Nos paísespobres,
esselimiteseriasuperadoem25vezes.
O terceiroquadropartede uma redução
de 75% dos contatos entreindivíduos.Se es-
sabarreiraforfixadanos250primeirosdias
de contágio,ainfecçãoatingiria470 mi-
lhõeseprovoca1,9 milhão de mortes.Se
adotadadepoisdesseprazo, os números
saltariamde formaespetacular.Alcança-
riam,respectivamente,2,4 bilhõese10,5
milhões. E a lógicapor trás dessasestimati-
vas ébastantesimples.“Até pequenosatra-
sosnaadoçãodemedidasdeisolamentofa-
zemgrandediferença”, dizBrittaJewell,
pesquisadora do ImperialCollege.“Se cada
infecçãoproduz,em média,outras2,5, re-
duzindoos linksentreindivíduoshaverá
umadiminuiçãosubstancialdaspessoasin-
fectadas.” Casocontrário,vemaexplosão.
Para oBrasil,os especialistasdo centrode
estudosbritânicoestimaram1 milhãode
mortesna pior estimativa,casonenhuma
medidade restrição(ou achatamentoda
curva,comodizemos técnicos)fossetoma-
da. Na melhorhipótese,com adiminuição
de 75% das interações,podemmorrer44,2
mil pessoas.Porém,o físico RobertoKran-
kel, especialistaem modelagemepidemio-
lógicada Universidade EstadualPaulista
(Unesp),adverteque o país está em um “voo
cego” sobreessasplanilhas.“Nestemomen-
to,temosum granderepresamentona reali-
zaçãode testesda doença”, diz Krankel.
“Comisso,nãosabemosaocertoqualéonú-
merodecontaminadose,porconsequência,
qualorealimpactodaquarentena.”
“Teste, teste,teste.”Não por acaso, foi essa
aorientaçãodadaao mundohá duassema-
nas pelo diretor-geralda OMS,o etíopeTe-
dros AdhanomGhebreyesus. A ênfasejusti-
fica-se. “A aplicaçãomaciçade testes,segui-
da pelo acompanhamento das pessoasexa-
minadas, está na raiz do sucessodo comba-
te ao novocoronavírusna Coreiado Sul”,
afirmaAlessandroFarias, chefedo Departa-
mentode Genética,Evolução, Microbiolo-
gia e Imunologia da Unicamp. Ele faz parte
de umaforça-tarefa montadana universi-
dadeparaatuarnestestemposdifíceis.A
açãodo grupoabrangepelomenoscinco
vertentes,combraçosquevãodaTIaatétes-
tesclínicosdemedicamentos.
No caso dos sul-coreanos,os balançosin-
dicamque uma pessoaem cada 170 foi sub-
metidaatestesda doençano inícioda pan-
demia.Enquantoisso, os EUA teriamexami-
nadoumaemcada943emumperíodosimi-
lar.Esses números,no entanto, mudamper-
manentemente,pois os paísesestãoinves-
tindopesadona realizaçãodessasanálises,
emboralidemcomgargalosenormesem
áreascomologística,faltade mãode obra
qualificadapara manipularos exameseres-
triçõesdeacessoainsumoscomoreagentes.
Novosmodelos de testestambémestão
sendodesenvolvidosnos principaislabora-
tóriosdo planeta. Farias observaque,na
Unicamp,optoupelotipo RT-PCR(reação
em cadeiada polimeraseem temporeal),já
existente. Ele detectaoRNA do vírusem
amostras de sangueou secreçãodo narize
da boca.Omaterialécoletadocom bastões,
como“cotonetes”grandes,os“swabs”.“Essa
versãonos permiteidentificarmuitocedo
os casosda doença,quandoas pessoasain-
da estãoassintomáticas”, afirmaoespecia-
lista.“Comisso,podemosidentificá-las e
isolá-las.Esse é um grandetrunfodadaa
lentamanifestaçãodadoença.”
Outramissãoda ciência,maisamplatan-
to no escopoquantono tempo, é prepararo
mundopara novasepidemias.Os pesquisa-
doresacreditamque a pandemiado novo
coronavírusse formouem um mercadode
animaissilvestresem Wuhan, na China.Em
24 de fevereiro, o governochinêsproibiuo
funcionamentodessetipo de comérciono
país.Mas os vírussempresaltaramdos bi-
chosparasereshumanos—econtinuarão
saltando. Em geral,eles não causamproble-
mas.“Masisso ocorretantase tantasvezes
quetornaasepidemiasinevitáveis”,dizEster
Sabino,da USP.Esse processocria uma espé-
ciede“roleta-russaviral”.Porrepetiçãoinin-
terrupta,umepisódiodesastroso,como em
umlancededados,tendeaseconsolidar.
Eajornadade umaepidemia podeser
longa.Muitolonga.Esterdestacaque o HIV
puloudo macacoparao homempor volta
de 1930.Porlongosanos,o contágioficou
restritoà África.Nos anos70, ganhouo
mundo. “O víruschegouaos EUA em 1977e
só foi percebidoem 1981”, afirmaa profes-
sora,uma das primeirasa sequenciarcepas
do HIV no Brasil.Suspeita-seaindaque o
H1N1,que provocaa gripesuína,tenhase
espalhadoapartirdeumaoperaçãodecon-
finamentode porcosnaCarolinado Norte,
nos EUA,em 2009.O surtode H5N1,ou a
gripeaviária,teriacomeçadoem fazendas
chinesasde galinhas, em 1997.“As agres-
sões ao meioambiente só pioramesse qua-
dro”,observaEster.
Efoi apermanenteameaçadessetipo de
eventoque levoua OMSa lançar,em 2006,
um megaprojetoparacombaterum surto
de proporções globais. A entidadeacredita-
va que o protagonistado ataqueseriauma
variedademaisseverado vírusinfluenza.
“Esseprojeto estimuloudiversos laborató-
rios a criarnovastecnologiaspara odesen-
volvimentomaisrápidode vacinas”, diz Re-
nato Astray. “Essastécnicasestãosendoem-
pregadasatualmente, aindaque paraum
outropatógeno.”
Emboratenhaerradooalvo,oesforçoglo-
bal anti-influenzanão foi em vão.Hoje, ele
podefazercomqueumaplataformadeimu-
nizaçãocontrao SARS-CoV-2seja erguida
em temporecordepelahumanidade.Isso
aindapodedemorar, mas só reforçariaa
mensagemquetemsidodominantedaciên-
ciaatravésdahistória.Apesardoquadroter-
rívelpintadopelasatuaismodelagensmate-
máticas,elasemprefoideesperança.■
PAULYEUNG/BLOOMBERG
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