O Estado de São Paulo (2020-04-05)

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B4 Economia DOMINGO, 5 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


JOSÉ ROBERTO


MENDONÇA DE BARROS


C


omo já colocamos no nosso
último artigo, a expansão
rápida do coronavírus provo-
cou uma parada súbita nas princi-
pais economias do mundo, o que já
garante que 2020 será um ano de
recessão global, apesar dos grandes
esforços das autoridades sanitárias
e econômicas para deter a pande-
mia e suportar a economia.
A percepção da gravidade da situa-
ção está chegando aos poucos, o que
faz com que as projeções mais recen-
tes sejam sempre piores do que as
anteriores.
O desconhecimento do vírus e de
como lidar com ele gera uma enor-
me incerteza. Mas algumas coisas
parecem claras. A crise será longa.
Nos locais onde a contenção tem si-
do bem sucedida, decretou-se uma

quarentena ampla e testagem em larga
escala.
Na política econômica, a incerteza
levou a lançar sobre a mesa todas as
fichas fiscais e monetárias. É certo que
o PIB do primeiro semestre será franca-
mente negativo na maior parte dos paí-
ses. Quedas de 3% a 10%, em bases
anuais, para as principais regiões não
devem surpreender.
Desde que não haja uma segunda on-
da da doença, todos esperam alguma
recuperação no segundo semestre, em
resposta aos esforços sanitários, à po-
lítica fiscal expansionista e a uma po-
lítica monetária agressiva. A dúvida
aqui é qual será a velocidade da recupe-
ração, se em formato de um V ou de um
U. Muita gente espera o primeiro caso
para a China e Estados Unidos e o se-
gundo caso para a Europa.

Acho pouco provável que se confir-
me a expectativa otimista da recupera-
ção rápida, dados os efeitos fortes so-
bre a saúde financeira das empresas,
levando a muitas falências, e sobre a
disposição de compra de um consumi-
dor sofrido e assustado, tendo muitos
vivido tragédias familiares recentes.
Tudo indica que não seremos mais exa-
tamente os mesmos.
O Brasil está atrasado na resposta ao
vírus em várias frentes. Em primeiro
lugar, e por incrível que possa parecer,

o presidente ainda acredita e age como
se o vírus fosse uma pequena gripe (ca-
so único no mundo!), brigando com os
Estados e prefeituras que decretaram
o isolamento, medida universalmente
aceita como necessária. Em conse-
quência disso, não há uma coordena-
ção na resposta do governo federal à
crise, o que evidentemente resulta nu-
ma baixa eficiência da gestão.
Temos apenas uma coordenação na
área de saúde, apesar do Planalto, on-
de um trabalho profissional está sendo
realizado e é digno de apoio. Entretan-
to, mesmo aí temos de salientar o atra-

so de um mês na compra e aplicação de
testes, bem como no suprimento de
equipamentos, inclusive de proteção
individual e outros materiais para a
saúde, num mundo em que a oferta es-
tá curta.
Na frente econômica, após várias se-
manas, vai tomando forma um conjun-
to mais articulado de ações, embora
em estágios muito diferentes de apro-
vação e com baixíssima taxa de execu-
ção. As medidas podem ser organiza-
das em seis áreas:


  • Manter a logística e o abasteci-
    mento;

  • Ações do Banco Central para garan-
    tir liquidez;

  • Elevação dos gastos com saúde;

  • Apoio aos mais vulneráveis: po-
    bres e trabalhadores informais;

  • Apoio às pequenas empresas, com
    manutenção de emprego;

  • Flexibilização de certas condições
    contratuais: trabalho e outros.
    As ações nas duas primeiras áreas an-
    daram bem.
    A elevação de gastos com saúde é cer-
    tamente correta, mas, na sua maior par-
    te, ainda não chegou na ponta final.
    As ações nas áreas de apoio a pessoas
    e empresas mais vulneráveis estão mui-
    to lerdas, com baixa taxa de entrega.
    Aqui também não há uma liderança efe-
    tiva na discussão das medidas, prevale-


cendo um caráter algo burocrático.
Como muita gente, sinto falta de
uma liderança equivalente àquela
empoderada e exercida por Pedro
Parente na ocasião do apagão de
energia.
Olhando o conjunto, e mesmo
considerando-se a efetiva colabora-
ção do Congresso, as políticas fede-
rais de suporte à população irão tar-
dar ainda um bocado de tempo.
Em consequência, a população
vulnerável depende neste momen-
to muito mais das ações locais, espe-
cialmente do grande movimento de
solidariedade que a crise detonou,
incluindo organizações não gover-
namentais, pessoas e empresas.
De forma dramática estamos ven-
do o que significa a má distribuição
de renda e a imperiosa necessidade
de enfrentá-la.
A frase tem sido muito usada, mas
é ainda assim verdadeira: nós e o
País nunca mais seremos os mes-
mos.

]
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Breno Pires / BRASÍLIA


O economista Joseph Stiglitz
avalia que líderes que emergi-
ram da negação da política
mostram-se, nesta pandemia
do coronavírus, oportunistas e
focados em seus projetos elei-
torais, com posturas hesitan-
tes que trarão consequências
desastrosas. Prêmio Nobel de
Economia em 2001, ele critica
a atuação do americano Do-
nald Trump e do brasileiro Jair
Bolsonaro para defender um
novo contrato entre o merca-
do, o Estado e a sociedade ci-
vil. Em entrevista ao Estado , o
professor da Universidade Co-
lumbia afirma que a atual crise
destaca a importância de um
equilíbrio da economia e da
ciência, que precisa pautar os
governos. “É notável a rapidez
com que conseguimos analisar
o vírus e descobrir de onde ele
veio, desenvolvendo o teste. E
toda a ciência é baseada em
apoio governamental”, obser-
va. “No Brasil e nos Estados
Unidos, temos governos que
não acreditam em ciência e es-
tamos vendo as consequên-
cias.” As avaliações de Stiglitz
também serão detalhadas num
livro que o economista lança-
rá, em setembro, no Brasil: Peo-
ple, Power and Profit
(Pessoas,
Poder e Lucro, numa tradução
literal – ainda não tem título
em português).


lExiste um dilema entre salvar


a economia e salvar vidas?
O fato é que, se você não salvar
as pessoas, a economia será de-
vastada. Pessoas não irão ao
restaurante, ficarão nervosas
quanto a ir ao trabalho, não
irão voar por aí, haverá medo
no ar. Basicamente, a econo-
mia se encaminhará para a pa-
ralisia se não pararmos a pan-
demia. Por isso, é uma boa deci-
são colocar a prioridade nas
pessoas e controlar a pande-
mia. Fizemos isso nos EUA de-
pois de pressão dos democra-
tas e para criar as condições pa-
ra ressuscitar a economia quan-
do a pandemia estiver sob con-
trole. Mas ainda há buracos.

lO sr. costuma afirmar que a
economia capturou a política. É
possível que líderes que emergi-
ram da negação da política, co-
mo Trump e Bolsonaro, de algu-
ma forma tenham terminado sen-
do representantes ideais das
grandes corporações?
Em primeiro lugar, pessoas co-
mo Trump são interessadas na
sua própria reeleição, no seu
próprio poder, e isso torna di-
fícil descobrir o que de fato
apoiam. Não apoiam nada. Não
há um princípio conservador.
Não há princípios. Trump ga-
nhou apoio da grande indús-
tria, então, não surpreende que
ela esteja no topo da sua agen-
da. A primeira resposta dele foi
o corte de impostos para corpo-
rações, apesar de não ter nada
a ver com a crise. Devemos en-
xergar o que eles têm feito não
como algo baseado em um con-
junto de princípios ideológicos
coerentes, mas como um opor-
tunista tentando lidar com a si-
tuação. No começo ele pensou
que poderia apenas negar, di-
zer que está tudo bem. A razão

de o avanço da doença estar
tão grave é porque não fizemos
nada por muito tempo.

lQual é a consequência desse
comportamento de Trump em
relação às políticas para conter o
coronavírus?
As consequências, francamen-
te, são desastrosas. E seriam
piores se não fosse o fato de
termos uma burocracia tão de-
dicada. Instituições como o
nosso Centro para Controle
de Doenças, que são muito pro-
fissionais, e médicos, que de al-
guma maneira nos salvaram.
Também fomos salvos pela in-
tervenção de governadores,
mas eles não podem resolver o
problema da oferta, da falta de
máscaras, de equipamento de
proteção e de ventiladores. E a
falta de testes – de responsabi-
lidade do governo federal, que
não faz seu papel. Faltou fazer-
mos testes por semanas a fio e
o resultado, francamente, é
que existe sangue nas mãos de
Trump. As pessoas estão mor-
rendo por causa da sua inação.

lO sr. inclui Jair Bolsonaro na

mesma posição que Trump?
Não tenho seguido os detalhes
do que está acontecendo no
Brasil, mas penso que o País
poderia estar em situação pior
se não tivesse uma burocracia
dedicada, médicos dedicados.

lNesse ponto, o sr. vê semelhan-
ça entre o Brasil e EUA?
Nós temos sido salvos pelas
nossas instituições.

lNo Brasil, o presidente se colo-
cou contra orientações do pró-
prio Ministério da Saúde, foi a
uma manifestação de rua e criti-
cou fechamento de escolas e
templos.
Essas ações são custosas em
muitos aspectos. De uma ma-
neira mais ampla, é muito di-
fícil para indivíduos manter
distância, pessoas querem inte-
ragir, então é essencial dizer às
pessoas que é perigoso se apro-
ximar de outras pessoas para
impedir a propagação da doen-
ça. É para isso que precisamos
de liderança. E nós não temos
essa liderança (nos EUA). E vo-
cês (no Brasil) têm uma lide-
rança ainda pior.

lQual a importância do financia-
mento estatal de despesas nesse
momento?
Crucial. A única forma de evi-
tar o colapso do sistema é o di-
nheiro governamental. Para
conter a pandemia, a saúde é o
mais importante e isso tem de
ser priorizado em termos de
orçamento. A grande diferença
em relação aos mercados emer-
gentes é que nos EUA não nos

perguntamos se podemos ban-
car isso. Ampliamos o déficit
de US$ 1 trilhão, 5% do produ-
to interno bruto, em US$ 2 tri-
lhões, 15%. Podemos explodir
o orçamento sem nos impor-
tarmos com isso. A maioria
dos países em desenvolvimen-
to não pode.

lE quanto isso atrapalha a toma-
da de medidas emergenciais pe-
lo Brasil?
Bastante. E certamente exige
uma “repriorização”, pelo me-
nos temporária. Talvez exija
um corte temporário em parte
das pensões, com uma renda
mais alta. Um aumento tempo-
rário nos impostos de pessoas
com maior renda. Vai ser ne-
cessário estabelecer novas
prioridades pelo menos neste
ano e provavelmente para os
próximos dois anos. O Brasil e
outros países vão sofrer restri-
ções orçamentárias, então pre-
cisam levantar dinheiro. A co-
munidade internacional deve-
ria fornecer mais apoio a paí-
ses em desenvolvimento e aos
mercados emergentes.

lO sr. vai lançar seu próximo
livro em setembro no Brasil. O
que o País, que tem vivido instabi-
lidade na política e na economia
ao longo da década, pode apren-
der com seu livro?
Primeiro, deixe-me tentar fa-
zer uma conexão entre o que
vai acontecer e o livro. Isso é
relevante para o Brasil, é rele-
vante para os EUA. O livro
apresenta dois pontos muito
relevantes: que precisamos de

um novo contrato social, um
novo equilíbrio entre o merca-
do, o Estado e a sociedade ci-
vil. Nós nos voltamos para o
governo quando temos uma
crise. O mercado não avaliou
adequadamente os riscos, não
lidou adequadamente com os
riscos de uma pandemia, com
o risco de mudanças climáti-
cas, todos os riscos sociais. Is-
so destaca o papel central do
governo em nosso bem-estar.
E, quando temos escassez, co-
mo temos nos EUA, de másca-
ras, ventiladores e testes, é um
fracasso do mercado. Precisa-
mos da intervenção do gover-
no e, quando ele não intervém,
nós sofremos. A realidade é
que confiamos demais no se-
tor privado e, em países como
os EUA, onde o governo não
funcionou, estamos vendo as
taxas de mortes. Em países co-
mo a Coreia do Sul, onde o go-
verno fez seu trabalho, a pan-
demia foi controlada rapida-
mente. Isso mostra o papel
crítico do governo. A segunda
parte é o papel da ciência. É no-
tável a rapidez com que conse-
guimos analisar o vírus e des-
cobrir de onde ele veio, desen-
volvendo o teste. E toda a ciên-
cia é baseada em apoio gover-
namental. Esse é outro exem-
plo da importância do gover-
no. E no Brasil e nos EUA, te-
mos governos que não acredi-
tam em ciência. E nós vemos
as consequências.

lO sr. afirma que o conceito de
capitalismo progressista que de-
fende é mais importante que nun-
ca para o bem-estar dos povos?
Sim. O mundo do século XXI é
um em que o governo terá de
assumir um papel maior do
que no passado – a razão pela
qual eu defendo um capitalis-
mo progressista. Quero enfati-
zar que os mercados ainda se-
rão importantes. Mas não po-
dem ser os mercados irrestri-
tos do neoliberalismo. A desi-
gualdade cresceu. E é por isso
que nossa política ficou tão
feia. O Brasil tem os mesmos
problemas. Vocês progrediram
na redução da desigualdade,
fornecendo educação, em go-
vernos de centro-esquerda e de
centro-direita, com ( Fernando
Henrique ) Cardoso e Lula. Mos-
traram que poderiam crescer
com prosperidade compartilha-
da e diminuir a desigualdade.
Mas Bolsonaro está indo na di-
reção oposta e isso significa
que a proteção do meio ambien-
te será pior, e você estará ex-
posto a mais doenças, e a edu-
cação será prejudicada. O futu-
ro do Brasil está sendo coloca-
do em risco. Eu escrevi minha
mensagem em parte em respos-
ta ao dano que Trump está cau-
sando aos EUA. Precisamos
dessa visão como uma alternati-
va à destruição de Trump à nos-
sa democracia, economia e so-
ciedade. Mas essas mensagens
são ainda mais relevantes para
o caso do Brasil.

Não há uma coordenação
na resposta do governo
federal à crise

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Alerta. Para o economista Joseph Stiglitz, futuro do Brasil está sendo colocado em risco

ENTREVISTA


Da parada súbita à


recessão global


Demora nas medidas de combate à covid-19 fará PIB recuar mais. Pág. B5}


Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Economia STEPHANIE MEI-LING/NYT


‘Temos


governos que


não acreditam


em ciência’


Para economista, crise


causada pelo coronavírus


explicita a postura


desastrosa de líderes


como Trump e Bolsonaro


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