18 |Valor|Quintaesexta-feira,9e10deabrilde
pois permitemreunirfamíliaeamigosque
se confortam mutuamenteerendem home-
nagensao seu ente querido. Aprivaçãodes-
ses rituais podeser muitotraumática enos
colocafrenteàvulnerabilidadedianteda
morte.Essa realidadepode ter um efeitosig-
nificativo na subjetividadede todosao colo-
car em perspectiva os efeitosdo consumis-
mo desenfreado eda enorme desigualdade
socialde nossopaís. Nossaintegridadefísica
está sob riscoenosso narcisismo, em xeque.
As selfies desapareceramdas redessociais e
asolidariedadepareceemergircomo um va-
lor a ser alcançado.
Valor:Comoé possívelreinventar a vidanain-
ternet,depoisqueelase tornouo principalmeio
comunicação?
Maria:É a redeque temos.A grandeteia
que soubemos inventarparanos conectar.
Saibamos ter acoragemde fazeras pergun-
tas certaseodebatelúcidosobreessa que
será a inescapável novaformade contato en-
tre os seres.Não só nessacrise,mas em nos-
so futuro comoespécie.
Bressan:Ouso intensoda internet,em es-
peciala mídiasocial,está associadoauma
redução do convívio sociale, para os jovens,
auma diminuiçãoda capacidadede intera-
ção socialfora da tela. Ao mesmotempo, ela
é uma importante fontede socialização.
Agora,jovensestudamcom a companhia de
um amigoque está do outrolado da tela, ti-
ram dúvidas.Temos que aprender com eles e
já estamosaprendendo. Há amigosque fa-
zem happyhourvirtual,brindando cadaum
com a sua bebidaejogando conversafora. É
diferente? Claro, mas preservaasociabilida-
de e coisas boaspodem aparecer.
Emanuelle:Agoratemosumrecursoines-
timável nas mãos.Ensinoadistância,telea-
tendimento, aplicativosde atividadefísica
e meditação, reuniõescorporativase com
amigoson-line.Tudo podepoupartempo
de deslocamentoepoderácontinuarapós
essacontingência.
Lima:Avida está sempresendoreinventa-
da, erecriarainternetpodeser um fator de-
terminantena possibilidadede renovação.
Comono poemavisualde Augustode Cam-
pos:“Renovar/DiaSol/A/SolDia/Renovar”.
Valor:A OrdemdosPsicólogos dePortugal
lançouumdocumento comrecomendaçõespara
lidarcomo estressedurantea pandemiadocoro-
navírus: dizqueé normalsentir-se “triste,ansio-
so,confuso, assustadoouzangado”.E propõeum
estilodevidasaudável,comdietaadequada,
exercíciosemcasaeum bomsonosemálcoolou
drogas. Vocêsconsideramumaagendamuitori-
gorosaparatempostãoturbulentos?
Maria:Comerbem, movimentar-seedor-
mir bem sempreforameserão diretrizesbá-
Maria Homem,coautora de“CoisadeMenina?”
sicaspara mantero corpovivo e o maisimu-
ne possíveldiantedo outroe de um mundo
que podeser invasivoedestruidor. Éoque
estamos vivendoagora,um momentoem
que o poderdestrutivoéelevado. E não é
fantasia. Éumvírus, éreal. Mas ahumanida-
de sempreseguiusua jornadasolitária(ou a
buscapor companhiatranscendente)com
substânciasque alterama consciência.Por
que agoraseriadiferente? Duvido.
Emanuelle:Essa agendaserá adotadapor
pessoas que já seguiamuma rotinasaudável
antesdo confinamento.Acho difícil que um
momentocontingencial propicieodesper-
tar do engajamentonumarotinasaudável.
Comopolíticade saúdepúblicaéoque de-
vemos preconizar. Alémdisso, é precisoa ur-
genteregulamentação do Conselho Federal
de Medicinaparaque atelepsiquiatriaga-
rantaa assistênciaà população.
Bressan:Ao contrário, é em temposdifí-
ceis que devemos ter maisdisciplina. É como
numamaratona,precisamos de um preparo
grande paraenfrentarumacorridalonga.
Não dá paraagir comose todosos dias fos-
sem fim de semana.Onosso comportamen-
to de fim de semanasó éassim (maisliberal
e cheiode exageros)poisexistemos dias
normais. Não dá para funcionardessaforma
na situaçãode privaçãosociale de locomo-
ção em que nos encontramos.
Lima:São regrasmuitorigorosasenão
necessárias, acredito. As pessoas são dife-
rentesentresi.
Valor:Háquemacrediteque oque estamosvi-
vendotornaráo mundoeanósmesmosmelho-
res.Qualsuapercepçãoa respeito?
Emanuelle:Concordo.Do pontode vista
subjetivo, o momento exigeflexibilidade,
criatividade,resiliênciae capacidade de tole-
rância.Do pontode vista social,a população
podevir a exigirpolíticasambientaismais
consistentes,retomadado investimentoem
políticaspúblicaspara a saúde,ciênciasede-
senvolvimento. O discursoindividualistae
baseadonoconsumopodeperderforça.
Maria:Éumaencruzilhada,comoemqual-
quermomentoemqueestáemjogoavidaea
morte.Não há comonão ter consequências.
Tudo o que nos atingeé argamassapara ela-
boraçãosubjetivae social.O mundoserá en-
tão mais“humano,justo e igualitário”? Não
creio. Mas, se não queríamosassumir, agora
saberemosque ele é profundamente huma-
no e, talvezpor isso mesmo, injustoe desi-
gual.Comoconduziremos odebateapartir
deagora?Commenoscinismo,porfavor.
Bressan:Sou céticoquantoàideiade
que todasas mudanças vêm paramelhor.
“Jogodo contente”pode ser umaestraté-
gia parasobreviverà crise,mas não éuma
formaboa de predizer as consequências
futuras.Tenho certeza de que coisasmui-
to boaspodemsurgirdesta enormedifi-
culdade,queestásomentecomeçando.
Lima:Não sei o que significaas pessoas
ouomundosetornaremmelhores.Quanto
às pessoas,éimpossível saber,não só agora
emsituaçãodecrise,masemqualquertem-
po. Achoque um momentocomoeste au-
mentamuito,emtodos,odesejode que se-
jamoseque fiquemosmelhoresdepoisde
tudo.Nãoseiseserádefatopossível.
Valor:Temosa culturacorporaldocontato,
agoraproibido. Seriaesseumvírusantiamor?
Bressan:Tivemoso HIV, o vírusantissexo, e
agoraoantiamor:éengraçado. Acreditoque
é maisum vírusque, muitoprovavelmente,
será controlado eas pessoasvão voltara se
abraçare beijarda mesmaforma. Mas, assim
comoocorreu como HIV,pode ter conse-
quências.No caso do HIV,aconsequênciafoi
positiva:as pessoaspassaramafazer maisse-
xo protegido, enão menossexo. Quaisserão
as consequênciasda covid-19?Esperoque
nãoparemosdeabraçarebeijar.
SILVIA ZAMBONI/VALOR
EmanuellePires, psiquiatra doAlbertEinstein
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