20 |Valor|Quintaesexta-feira,9e10deabrilde
C
om acidade quasedeserta em tem-
posdecoronavírus,oempreendedor
social David Hertz,de 45 anos, de-
morou apenasmeia horapara ir da
Lapa,centrodoRio,aoConjuntodeFavelasda
Maré. Em seu pequeno furgão levava alimen-
tosperecíveisesecosdoadospelohotelGrand
Hyatt, peloCarrefourepela Benassi, maior
atacadista de frutas everduras do Brasil. An-
tes, havia passado pela feira de orgânicosda
praçaGeneralOsório,emIpanema.
Descarregouos produtosna Rededa Ma-
ré,localizadanomiolodacomunidade,para
que as refeiçõesfossempreparadas por vo-
luntáriosparaquemnãotemoquecomer—
pessoasem situaçãode rua e dependentes
químicos,por exemplo. Esseé o projeto
emergencialCozinhaSolidária,comandado
pela Gastromotiva, ONGque Hertzfundou
em 2006com atuaçãoem São Paulo,Rio de
Janeiro,ElSalvador,MéxicoeÁfricadoSul.
Em consequência da criseatual,Hertz
precisoupagarmultaedevolveroimóvel
que tinhaacabadode alugarno Rio para
funcionarcomoescritóriocentral.“Neste
momento,oque maisnos preocupaéman-
ter empregosetentarcriaroportunidades
dentrodas comunidades paraque cozi-
nheiros virem empreendedores sociais”,
diz. “Para isso lançamos a campanhaAdote
umaCozinhae pedimosàs empresasque
nos ajudemcom insumose dinheiropara
comprademarmitasegás.Tenhovistomui-
ta solidariedade com famíliasmenosfavo-
recidasqueestãoprecisandodetudo.”
AopçãodeHertz por somargastronomia e
inclusãosocial,capacitandojovensparacom-
baterodesempregoeadesigualdade,émuito
anterioràcrise do novocoronavírus.Hádois
anos,duranteo Fórum EconômicoMundial,
em Davos, lançouuma marcainternacional, a
SocialGastronomy(GastronomiaSocial).
Na favela do Jaguaré,em São Paulo, ele
teve seu primeirocontato coma popula-
ção de baixarenda.Foi omotor de tudo.
Ali, percebeuque, antesde fazerum proje-
to paradesenvolverpessoas,precisava tra-
balhar a si próprio. “Tinha que olharpara a
qualidadeda minhaentrega,paraminha
humildadee compaixão. As relações que se
criame seuspropósitossão muitomais
profundosdo que podemparecer.”
NascidoemCuritiba,numafamíliajudai-
ca, Hertzfoi criadocom a expectativade se
casarcom uma mulherda mesmaorigeme
assumir os negóciosdo pai, um comercian-
te do ramode armarinhos. “Meupai era sa-
coleiro. Vinha para São Paulo,comprava na
rua 25 de Marçoevendiaem Curitiba.Com
minhamadrastaabriuumaloja no centro
[ArmarinhosVoluntário],edesdeos 11
anoseutrabalhavanocaixa”, conta.
Educado nospreceitos da escolajudaica,
viajavaaSãoPauloumavezporanoparadan-
çar ritmosfolclóricosno ClubeHebraicaesa-
biaqueaos18anosiriaparaIsraelpassaruma
temporada numkibutz.Estava tudoprogra-
mado.“Erameunorte.Eueramuitoperdido.”
Estavagaroandoquandoeleentrounocor-
redorque leva ao galpão coberto, onde fun-
cionaoCozinhadaTiaNice,escolhidoparaes-
te “À Mesacom o Valor”, que ocorreuantesdo
período de isolamento. Orestaurantefaz par-
te de um centro cultural, que inclui oArma-
zém Organicamente.As mesas são coletivas;
as cadeiras, de plástico; e as paredesde tijolo
aparente são coloridascom desenhos egrafi-
tes.Oesquemaéself-service.
TiaNice costumava servirpor voltade 50
refeições por dia e opreço variava de R$ 20
(só bufêde saladas)aR$50(compratos
quentes). Ela tambémfaziaeventoseconta
que é conhecidapelo pastel Panc —rechea-
do complantasalimentícias não conven-
cionais—ep elafeijoadavegetariana.
No almoçohavia três tiposde alface,be-
terraba,saladade feijãofradinhoebatati-
nha com casca.Depois,ela trouxecharuti-
nho de folhade capuchinha recheadocom
ricota,palmitoe molhode tomate,alémde
À MESACOMO VALOR - DAVIDHERTZ
EmpreendedordeONGpara jovenscarenteslançacampanha
para queempresasajudemnaalimentaçãodepessoasdebaixa
renda.Por MariadaPaz Trefaut, para o Valor,deSãoPaulo