Quintaesexta-feira,9e10deabrilde2020|Valor| 35
CRIS BIERRENBACH
"AIndividuaçãoà Luz dasNoçõesde
Formae deInformação”Gilbert
Simondon.Trad.: Aragone Ivo. Ed. 34
Apartirdadécada
de1990,umnome
quasedesconhecido
dafilosofiafrancesa
começouaser
citadoportodo
canto.Conhecido
atéentãoapenasno
restritomundodateoriadastécnicas,
porumlivropublicadoem1958(“Do
MododeExistênciadosObjetos
Técnicos”),GilbertSimondon
(1924-1989)setornoureferência
sucessivamentedeteóricosda
comunicação,sociólogos,
antropólogose,enfim,metafísicos.
A súbitarecuperação de um autor
quaseesquecidoestá ligadaao livro
“A Individuação à Luz das Noçõesde
Forma e de Informação”(Editora34,
624 págs.,R$ 92), que chegaao Brasil
em traduçãode Luís Aragone
GuilhermeIvo. É a chegadatardiade
uma obrajá publicada em diversos
idiomas,mas com a vantagemdo
textorigoroso e a presençade quase
todosos complementos e
suplementos da edição francesa. A
nota negativa fica por contada
ausênciade um prefácio que guiasse
o leitornão iniciado.
Mesmona França,a históriada
publicaçãode “ILFI”, comodizemos
estudiososde Simondon,é tortuosa.
Resultadoda tese do autor,
defendidaem 1958,foi parcialmente
a públicoem 1964,como“O
Indivíduoe Sua Gênese
Físico-Biológica”. A filosofiamais
purade Simondonfoi conhecida
apenaspor esse livro até 1989,
quandoa segundaparteda tese
emergiucomo“A Individuação
Psíquicae Coletiva”, poucos meses
antesda mortedo autor.
Oconjuntodotextosaiu
apenasem2005.Foiosuficientepara
quesuainfluênciaseespalhassepelo
mundo,emparticularnaAmérica
Latina,ondeexisteuma
RedeLatino-Americanade
EstudosSimondonianos(Relés),
queorganizacolóquiosbienais.
(Diego Viana)
LANÇAMENTOS
“DiagnosticaremPsicanálise- Vol.
4”Org.: GlauciaNagem de Souzae Sandra
LeticiaBerta.Escuta, 408 págs.,R$ 97,00
Estelivro
organizadopor
GlauciaNagemde
SouzaeSandra
LeticiaBertatrazo
pontodevistade
váriospsicanalistas
participantesda
RededePesquisasobreasPsicosesdo
FórumdoCampoLacanianodeSão
Paulo,alémdemembrosdo
InternacionaldosFórunsdoCampo
Lacaniano.
Ovolumemarcaacelebraçãodos
20anosdaRede,ondeocorrem
debatesquinzenaisparao
desenvolvimentodeumapesquisa
quepercorreaperguntasobreas
psicoses,seudiagnósticoeosaportes
dapsicanálise.JacquesLacan,
observamasorganizadoras,foium
ótimoorientadoremtornodaquilo
quesetornasintomapsicanalisável
nadireçãodotratamento.
“OqueElaSussurra”
NoemiJaffe. Companhiadas Letras.
160 páginas,R$ 49,90
Esteémaisum
livrocontundente,
inventivo,poéticoe
comarespolíticos
deNoemiJaffe.A
autorade“A
VerdadeiraHistória
doAlfabeto”(2012)
narradeformapessoaleparticular
umahistóriareal,atrajetóriadarussa
NadezhdaMandelstam:ajovemvivia
sobatiraniadeStálinquando
casou-secomopoetaÓssip,morto
numgulagnaSibériacomoinimigo
doregimesoviético.Paraqueos
poemasquelevaramomaridoà
mortenãodesapareçam,Nadezhda
osmemorizaeossussurrasempre.
Essasversõessãoasquesobrevivem
nacontemporaneidade.Com
delicadezaeaomesmotempovigor,a
autoratratadopoderdoamoreda
repressãopolítica.Masressalta,
sobretudo,odesejofemininoeseu
constanteapagamento.■
senadafosse:“Comopoderiamter
pensadonapestequesuprimeo
futuro,osdeslocamentoseas
discussões?”Antesdeosnúmeros
deixaremclaroopoderdapeste—
milharesderatossãoencontrados
mortos,cidadãosdesaparecemem
ritmoexponencial—,háquem
debochenasruas.Afinal,“osflagelos
sãoumacoisacomum,masédifícil
acreditarnelesquandoseabatem
sobrenós.Houvenomundoigual
númerodepestesedeguerras.E
contudoaspestes,comoasguerras,
encontramsempreaspessoas
igualmentedesprevenidas.”
Porissomesmo,emmomentos
comoesse,éprecisoqueogoverno
atuejuntocomaciência.No
romance,oprefeitodacidadese
reúnecomomédicoRieux,quenão
hesita:“Digamosapenasquenão
devemosagircomosemetadeda
cidadenãocorresseoriscodemorrer,
porquesenãoelamorrerádefato.”
Governoeciênciajuntos,restauma
esperança.Decretosrenovama
proibiçãodesair,lojaserestaurantes
fechamsuasportas.Quemainda
circulavatrancaaportadecasae
baixaaspersianas.
Aprimeiracoisaqueapestetraz
paraoshabitanteséoexílio.Ostrens
nãochegamnempartem.O
afastamentoestavadestinadoadurar
eoscidadãosdeOrãteriamquese
entendercomotempo:“A partirde
então,reintegrávamo-nos,afinal,à
nossacondiçãodeprisioneiros,
estávamosreduzidosaonosso
passado.”Eassimexperimentavamo
sofrimentodetodososexilados:
“vivercomumamemóriaquenão
serveparanada.”
Ossentimentosindividuais,como
odaseparação,vãosetornandoos
sentimentosdetodoumpovo.Uma
dasconsequênciasdofechamento
dasportaséasúbitaseparaçãoem
quesãocolocadaspessoasquenão
estavampreparadasparaisso.“Mães
efilhos,esposos,amantesquetinham
julgadoproceder,algunsdiasantes,a
umaseparaçãotemporária,(...)
viram-se,derepente,
irremediavelmenteafastados,
impedidosdeseencontraremoude
secomunicarem.”Apestesetorna,
então,umproblemacomuma
todaapopulaçãodeOrã.Umpouco
comonossentimosagora,numa
escalaglobal.
Detodasasexperiênciassubjetivas
impostaspelaepidemia,aquemais
meassustasãoasmortesimpessoais.
Nospróximosmeses,ouano,ouaté
mais,nãopoderemosenterrarnossos
mortoscomodeveser,sejameles
vítimasdocoronavírusoudeoutra
doençaqualquer.Nãopoderemos
realizaroritualdadespedida,como
sederepentemilharesdepessoas
tivessemcaídodeumaviãoempleno
oceano.Issoécomumatodasas
pestes:avelocidadecomquelevaos
nossos,tornandocadamorteapenas
maisumnúmero.Depoisdeobservar
queumastrêsdezenasdepestes
tinhamfeitopertodecemmilhõesde
mortos,onarradordoromance
afirma:“vistoqueumhomemmorto
sótemsignificadoseovemosmorrer,
cemmilhõesdecadáveressemeados
aolongodahistóriaesfumaçam-se
naimaginação.”
Eaívemumaoutrapergunta:
comoaliteraturavaidarcontadessas
experiências?Paraondeelaseguirá
depoisdapeste?Quesentidovão
ganharoslivrosjáescritoseque
sentidoteremosqueinventarnos
livrosporvir?■