Valor - Eu & Fim de Semana - Edição 1009 (2020-04-09 e 10)

(Antfer) #1
Quintaesexta-feira,9e10deabrilde2020 |Valor| 9

Padre reza missa
para igreja vazia em
Carenno,Itália,
devidoàs medidas de
restriçãoda
pandemiada
covid-19, que levam
igrejasa adotarem
modernizações

foi abordadana exortação, que não chegaa
ser um decreto, mas éimportante porque
funcionacomoumguiaparaoscatólicos.
NoBrasil,amaioriadoscatólicosapoiaas
duasmedidas.Oito entredez fiéis aprovam
aparticipaçãodasmulheresnosacerdócioe
56% são a favor de que os padrespossamse
casar,segundolevantamentodo Centrode
PesquisaPew. É mais que em qualquerou-
tropaísqueintegraaregiãoamazônica.
Ao se retrairna agendade reformas,o
riscoéque o papaacabeficandosozi-
nho, tendode enfrentar críticasferozes
dos conservadores, que achamque ele
está indolongedemais,e o descontenta-
mentodos progressistas,paraquemnão
estáchegandolongeosuficiente.
“É um dilema.Se aigrejanão se atualizar,
perderáfiéiseficarádatada.Selançarmedi-
das modernizadoras, também perderá
fiéis”,afirmaKarnal.“NoséculoXIX,oultra-
conservadorPio IX [pontíficeentre 1846 e
1878]resistiuatudoquecheirasseamoder-
no, do socialismoà democracia.É difícil di-
zer se odano foi maiorque obenefício.”
Umafrasedo filme“DoisPapas” (2019),di-
rigidopelobrasileiroFernando Meirelles,
ilustrabema situação,diz ohistoriador:
“Quandoaigrejase casa com uma época,fi-
caviúvanaseguinte”.
Odesafiocatólico,compara,éconstruir
um únicoprédio, com múltiplasalas. “Que


voltea missaem latimparaquemdesejar,
mas tambémna línguade cadapaís.Que
existamfestivaiscom guitarrase igualmen-
te cantogregoriano”, afirmao professore
conferencista. “Se quiseremrestaurarovéu
das mulheres na missa,ok. E que também
hajamodelosdiferentes”,diz.
Questõessociaisjá fraturaramas igrejas
cristãsanteriormente.No períodoque an-
tecedeua Guerrade Secessão(1861-1865)
nos EstadosUnidos,muitasdenominações
reformadasracharamporqueumaparte
dos membrosapoiava a escravidãoeaou-
tra queriaa abolição. Os primeiroscitavam
a Bíbliaparadizerque não havia, no Novo
ou no Velho Testamento, nenhuma proibi-
ção explícitaa ter escravos. Eque, portan-
to, apráticaera justa.Os abolicionistas
tambémrecorriamà Bíblia.Argumenta-
vam que,adespeitodessaausência,aes-
cravidãoafrontava os mandamentosmais
carosexpressospelolivro,comoamarao
próximocomoasi mesmo,oque atornava
incompatívelcom o cristianismo.
A Bíbliacontinuarelevantenas discus-
sões de hoje,principalmenteentreas igre-
jas protestantes,nas quaisolivro sagrado
ocupapapelcentralcomofontedeautori-
dade.Parte dos grupos reformadostem
umaabordagemmaisliteraldostextos,que
consideramimutáveis. É o caso da maioria
das igrejasevangélicas, no Brasile nos Esta-

dos Unidos.Outros,comoas “ma inline”,
consideramque a Bíbliadeveser lida à luz
da culturade cadaépoca,oque tornamais
flexívelosignificadodostextos.
OreverendoAldoQuintão, da Cate-
dralAnglicanade São Paulo, na zona
oestedacidade,jádeuabençãoauniões
homoafetivas eentredivorciados,além
de casarseguidoresde diferentesreli-
giões.“Masprefirodizerque casoseres
humanos, semdiscriminação”, afirma.
Casado, pai de um filho,cujo casamento
ele dirigiuem janeiro,opárococome-
çou a carreirareligiosano catolicismo.
Desistiu de virarpadretrês mesesantes
de sua ordenação. Em 1998, entroupara
aIgrejaAnglicana.
Formadoem teologia,filosofiae peda-
gogia,o párococontaque foi advertido
por colegas religiosos a não celebrar
uniõeshomoafetivas quandoteve a ideia,
mas prosseguiumesmoassim.“Decidifa-
zer por convicção”, afirma.Quintãodiz que
aBíblia está repletade leis que, com otem-
po, foramsuperadas.Cita,por exemplo, o
princípiodo “olho por olhoe dentepor
dente”. Diz que quandose perguntapor
que mulheresflagradasem adultérionão
são maisapedrejadas,arespostados líde-
res religiososé que isso mudou.Mas que
para outrasregras,omesmoprincípionão
é aplicado.“Precisamosfazeruma releitura
da Bíblia”, afirma.
NaEuropaOcidental,sededocatolicismo
eberço do protestantismo,afrequênciaaos
serviçosreligiosostem caídorapidamente.
Na média,entre15 paísespesquisados pelo
Centrode PesquisaPew, 91% da população
diztersidobatizada,81%afirmamquecres-
ceramsobinfluênciadareligiãoe71%sede-
claramcristãos.Massó22%vãoàigrejapelo
menosumavez por mês.No ReinoUnido,
palcode embates religiososhistóricos no
passado,onúmerodecristãosnãopratican-
tes já é três vezessuperior(55%)ao dos que
frequentamaigrejaregularmente(18%).
A surpresaé que, apesardessesnúmeros,
os especialistastêm abandonadoa expres-
são criadaparadefiniresse fenômeno —a
secularização. É, provavelmente,umadas
reversõesmaisdrásticasnocampodasocio-
logianos últimostempos.“Estãoindocon-
traotermoporquesepensavaqueareligião
teriamenos importância, mas issonão
aconteceu”, diz a professoraLídice,da Uni-
versidade Lusófona.O islamismotornou-se
uma forçaem crescimentonos paíseseuro-
peus,que tambémassisteao aumento dos
movimentos“newage”, diz ela. “O mundo
neopentecostalbrasileiroestá vindocom
forçapara aEuropa.E o candomblée a um-

Canal Unico PDF - Acesse: t.me/jornaiserevistas ANTONIO CALANNI/AP

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