ostas para
o espelho
DE COSTAS
PARA O
ESPELHO,
olhava por cima do ombro esquerdo, e o sorriso
acanhado aprovava o novo corte de cabelo, à altura das
orelhas. A moda que tinha abandonado as amarras
na cintura inspirava liberdade, nesses tempos de ares
modernistas no Brasil.
Saiu do salão com passos amplos, ávidos pelo encontro
marcado. Mesmo jovem, muito já tinha realizado. Teve
a sorte de ser gerada em um ninho inspirador que
lhe deu base para ter um pé na Ciência e outro na
autonomia. Assim, seguia o caminho, entre bondes
e jornaleiros, bicicletas, engraxates, vendedores e
entregadores de leite.
Do Velho Continente, onde morou há poucos anos,
trouxe na bagagem o conhecimento das Ciências
Naturais e dos movimentos de vanguarda.
Dividia-se entre pesquisas e propostas, entre
descobertas e impulsões. O que permeava tudo
era a disposição ao desafio.
Naquele sábado ensolarado, entrou no casarão e
sentou-se na cabeceira de uma grande mesa oval. Tirou
papéis de uma pasta e descreveu sua participação em
uma importante conferência internacional, que tratou
dos direitos das mulheres. As ouvintes vibraram e,
assim, o grupo passou a se constituir como Federação.
De volta à solidão de sua casa, tirou os sapatos e
pôs-se a fazer uma lista de intenções: direito ao voto
feminino, licença-maternidade, igualdade salarial, leis
de proteção à mulher e à criança, ingresso de meninas
em colégios. Queria também incentivar as moças
à formação superior, especialmente nos cursos de
ciências e engenharias, onde havia maior resistência
imposta pela sociedade.
Era tanto. Seria demais? Seria possível? O futuro
comprovou que sim.
Inspirado na história de Bertha Lutz
(São Paulo, 1894 – Rio de Janeiro, 1976),
bióloga, zoóloga, educadora, advogada
e ativista, responsável pela inclusão
do discurso de igualdade de gênero na
Carta da ONU, em 1945.
Desafio 95