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B6 Economia SÁBADO, 11 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Negócios
Mariana Durão / RIO
Circe Bonatelli / SÃO PAULO
A queda na renda de boa par-
te dos brasileiros, em função
da crise do coronavírus, rea-
cendeu no mercado imobiliá-
rio o temor de enfrentar de
novo um problema antigo do
setor: os distratos, jargão usa-
do pelas empresas para devo-
lução de imóveis comprados
na planta. Esse foi o pesadelo
de incorporadoras e proprie-
tários de imóveis novos du-
rante a recessão iniciada em
2014, quando o setor regis-
trou recordes no volume de
devoluções.
Agora, diante da pandemia,
consumidores já começaram a
procurar as construtoras para
renegociar condições de paga-
mento do imóvel. Os pedidos
de rescisão ainda são poucos.
No entanto, as empresas admi-
tem que, se a crise se prolongar,
há potencial para os distratos
crescerem.
Após sofrer um corte de 25%
em seu salário por conta da cri-
se do coronavírus, o economis-
ta Alex Agostini, da Austin Ra-
ting, está entre os que pediram
revisão no contrato. Ele procu-
rou a construtora Eztec para
tentar adiar as parcelas de abril
e de maio.
“A empresa onde trabalho re-
duziu os salários como forma
de preservar empregos. O mer-
cado financeiro está um caos, e
as operações diminuíram”, con-
ta Agostini. “Então pedi uma re-
visão do contrato. Não estou
querendo me aproveitar da si-
tuação. É uma medida preventi-
va”, explica. A resposta que re-
cebeu por e-mail foi que o fluxo
de pagamentos está mantido
por enquanto, mas o caso será
analisado.
“Até agora, o problema não
se aprofundou. Mas, quanto
pior a crise, pior será esse pro-
blema”, afirma o diretor de Rela-
ções com Investidores da Ez-
tec, Emilio Fugazza. A compa-
nhia tem recebido demanda de
consumidores para adiar parce-
las e diluir as próximas faturas
no saldo devedor, entre outras
medidas para ganharem fôlego.
O plano da Eztec é atender es-
sas demandas desde que o con-
sumidor comprove que perdeu
renda. Mas, com todas as equi-
pes de atendimento em home
office, a construtora não conse-
guiu responder os pedidos re-
centes. “Ainda precisamos de
um tempo para dar andamento
a essas renegociações”, disse
Fugazza.
Perfis. O presidente da Trisul,
Jorge Cury, diz que identificou
duas vertentes. Clientes de
imóveis de alto padrão (acima
de R$ 650 mil) estão buscando
renegociar os pagamentos, en-
quanto os de médio padrão (en-
tre R$ 250 mil e R$ 650 mil)
começaram a pedir o distrato.
“A amostragem é pequena,
pois a crise veio há apenas duas
semanas, mas a tendência é
que esses distratos se acen-
tuem. A classe média vinha se
recuperando, mas muita gente
vai perder emprego e profissio-
nais autônomos vão perder
renda”, estima Cury. “Vamos
buscar um rearranjo. E nós fa-
remos sem multa e juros, por-
que temos interesse em man-
ter a venda.”
Na Setin, o volume de distra-
tos ainda é irrelevante, mas as
renegociações já começaram.
“Foi pequeno em março, mas
para abril as renegociações po-
dem chegar a 10% da carteira
de clientes”, diz o dono da
construtora, Antônio Setin.
Ele afirma que há uma preo-
cupação em identificar deman-
das legítimas. “Desta vez, en-
tendemos que as pessoas serão
afetadas de verdade. Vamos
dar um espaço para que elas
ajeitem sua situação. Já na cri-
se iniciada em 2014, 80% dos
distratos da Setin eram de espe-
culadores que compraram até
cinco apartamentos e decidi-
ram desfazer o negócio quan-
do não tiveram o retorno espe-
rado”, lembra.
Consumidor tenta renegociar imóveis
comprados na planta frente à pandemia
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
lDois lados
Queda na renda em virtude da crise do coronavírus leva brasileiros a pedir adiamento de parcelas do pagamento de imóveis novos
e a diluição das próximas faturas no saldo devedor; crise reacende um velho temor do mercado imobiliário: os chamados distratos
Bruno Romani
Rivais no mundo dos celulares,
Apple e Google decidiram jun-
tar forças para criar uma tecno-
logia capaz de monitorar o avan-
ço do coronavírus. As empresas
fizeram ontem um anúncio con-
junto sobre um programa am-
plo de colaboração para que
suas plataformas móveis, res-
pectivamente, iOS e Android,
possam “conversar” para ras-
trear a disseminação do vírus.
A ideia é usar o Bluetooth e os
contatos na agenda dos smartp-
hones para detectar automati-
camente a proximidade entre
pessoas – o Bluetooth é a tecno-
logia escolhida por ser voltada
para comunicação sem fio em
curtas distâncias, o que seria
ainda mais preciso do que proje-
tos que utilizam torres de telefo-
nia celular. A tecnologia de bai-
xo consumo de Bluetooth per-
mite também preservar a bate-
ria do aparelho, algo semelhan-
te ao usado em projetos de inter-
net das coisas (IoT).
O projeto será implementa-
do em duas fases: na primeira,
ambas lançarão APIs (instru-
ções e padrões de programação
para acesso a um aplicativo ou
software) que poderão ser em-
butidas em aplicativos feitos
tanto para iOS quanto para An-
droid por agências de saúde e
outros parceiros do projetos.
Ao instalar esses apps, o tele-
fone utilizará o Bluetooth para
detectar se o usuário se aproxi-
mou de pessoas possivelmente
contaminadas. A primeira fase
deve ser concluída no mês de
maio. Os aplicativos de saúde
pública passarão por um proces-
so de aprovação para obter aces-
so a essas APIs.
Na segunda fase, o trabalho
seria estendido de maneira
mais avançada nos próprios sis-
temas operacionais das empre-
sas. A funcionalidade está pre-
vista para os “próximos me-
ses”. Quando isso acontecer, a
“conversa” entre sistemas po-
derá acontecer por diferentes
aplicativos, e não apenas onde
as APIs foram instaladas. As em-
presas dizem que o projeto de-
ve ser encerrado ao final da pan-
demia. Ainda não há informa-
ções específicas para o Brasil.
Dados. Sobre privacidade, já
que há crescentes preocupa-
ções sobre o aumento da vigilân-
cia no contexto de coronavírus,
as empresas afirmaram que o
rastreamento só será feito com
o consentimento do usuário.
Disseram também que publica-
rão informações sobre o traba-
lho de modo aberto para que ou-
tras pessoas possam analisar.
Os dados, segundo as empre-
sas, ficarão armazenados no
próprio celular e não serão en-
viados a servidores nas nuvens
- a prática é semelhante ao que
a Apple já faz em diferentes fer-
ramentas do iPhone, como o
processamento de informa-
ções da assistente digital Siri.
O risco de uma nova onda de
revisões e cancelamentos de
contratos imobiliários, que po-
de ser deflagrada em função do
coronavírus, vai colocar em tes-
te a nova lei dos distratos, san-
cionada no apagar das luzes do
ano de 2018. Ela é a régua que a
Justiça vai usar para decidir
quem tem razão na hora de des-
fazer um contrato, mas pode ha-
ver algumas resistências nos tri-
bunais para sua aplicação.
A lei foi editada com o intuito
de oferecer maior segurança ju-
rídica às incorporações imobi-
liárias, ao estabelecer porcen-
tuais de retenção e devolução
quando o contrato for encerra-
do, seja por inadimplência do
comprador ou por descumpri-
mento de obrigações pelos in-
corporadores. Antes dessa regu-
lação, a jurisprudência vinha es-
tabelecendo uma multa que va-
riava de 10% a 25% do valor pa-
go pelo consumidor para com-
pensar os esforços da incorpora-
dora na obra. Hoje, dependen-
do do caso, pode chegar a 50%.
Em 2015, a recessão econômi-
ca atingiu em cheio o bolso dos
brasileiros. Com os comprado-
res sem dinheiro para arcar
com as prestações, o mercado
enfrentou uma avalanche de pe-
didos de cancelamento de con-
tratos. Pressionadas, as incor-
poradoras se viram ameaçadas
de ficar sem fluxo de caixa para
terminar as obras. O resultado
é que muitos casos foram parar
na Justiça. A Lei 13.786/18 (apeli-
dada de lei dos distratos) veio
em resposta a esse quadro de
insegurança jurídica vivido pe-
lo setor imobiliário.
Mas a nova lei é controversa
entre juízes e desembargado-
res. Uma parte deles considera
que o texto engessa as discus-
sões, enquanto o melhor seria
fazer a análise caso a caso. “Para
alguns, ela não protege o consu-
midor e trata igualmente as par-
tes desiguais”, diz o Theo Kei-
serman de Abreu, sócio do Cam-
pos Mello Advogados. O tema
foi alvo de preocupação de re-
presentantes do setor imobiliá-
rio em uma videoconferência
promovida na semana passada
pelo escritório.
O sócio do escritório VBD Ad-
vogados e conselheiro jurídico
do Sindicato da Indústria da
Construção Civil (Sinduscon-
SP), Olivar Vitale, conta que as
construtoras já estão relatando
interrupções no fluxo de paga-
mentos dos consumidores.
“Quando o cliente está dispos-
to a negociar, é a melhor situa-
ção. Ninguém quer retomar o
imóvel. O problema é quando
simplesmente deixam de pa-
gar”, afirma.
‘Força maior’. A resolução de
um contrato acontece quando
existe um motivo justo, não ape-
nas pela vontade de uma das par-
tes. O contexto da pandemia,
no entanto, vai adicionar um ele-
mento novo na equação: a força
maior. No caso das incorporado-
ras, muitas provavelmente vão
deixar de entregar obras no pra-
zo pela dificuldade de receber
material, porque o Estado decre-
tou que as construções deve-
riam parar ou proibiu movimen-
tação intermunicipal, impedin-
do a chegada de operários aos
canteiros. Já os compradores
podem ficar desempregados ou
ter salários reduzidos, também
em razão do coronavírus.
“Claro que deverá haver uma
benevolência dos juízes em in-
terpretar isso. É bem possível
que se dê maior prazo para incor-
poradores terminarem as obras,
desde que se prove que o atraso
se deu pela pandemia”, diz Ana
Beatriz Barbosa, sócia do escri-
tório Perez&Barros. A recomen-
dação é que as incorporadoras
documentem tudo, em uma es-
pécie de diário de obra. O mes-
mo vale para o comprador que
for prejudicado pela pandemia.
lEfeito
Pandemia vai adicionar um
elemento novo na equação: a
força maior. Incorporadoras
podem deixar de entregar obras
no prazo enquanto compradores
podem não conseguir pagar.
lAliança
Apple e Google criarão tecnologia
para monitorar coronavírus
Crise do coronavírus coloca ‘lei dos distratos’ à prova
WERTHER SANTANA/ESTADÃO
“Vamos buscar um
rearranjo. E nós faremos
sem multa e juros, porque
temos interesse em manter
a venda.”
Jorge Cury
PRESIDENTE DA TRISUL
Casa própria. Construtoras já preveem ‘boom’ de renegociações de contratos de imóveis novos se crise se prolongar
“Esperamos usar o
poder da tecnologia para
ajudar países ao redor do
mundo a reduzir a
propagação da covid-
e a acelerar o retorno
à vida cotidiana.”
GOOGLE E APPLE, EM COMUNICADO
REUTERS
Empresas vão trabalhar
para que iOS e Android
possam ‘conversar’ para
rastrear disseminação de
casos da covid-
Bom combate. Rivais da tecnologia decidiram unir forças
Editada em 2018, após
setor enfrentar ondas de
processos, legislação é
controversa entre juízes
e desembargadores