REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
que víamos as coisas, já se distingue, olhando com
especialidade para algumas e com indiferença para as
mais; como se estas fôssem destinadas para entreter as
nossas primeiras atenções, sendo só umas o para que
nos dirigia o fim da natureza.
Êsses primeiros anos todos se compõem de (100) amor, e
de esperança: êstes dois afetos tomam a melhor parte de nós,
ou escolhem para si aquele tempo em que vivemos com mais
vida; no seu princípio, e no seu progresso é o amor uma
paixão cheia de entusiasmo, e de furor, depois perde
totalmente a violência: por isso amamos mais, quando
sabemos amar menos, isto é, quando amamos quase por ins-
tinto ; e com efeito o amor não se introduz por discurso, e se
alguma vez discorre, é sinal que está perto de acabar; porque o
amor só é prudente quando acaba, não porque então o seja em
si, mas porque então não porque então o seja em si, mas
porque então quer.
Culpa-se o amor de vário, e de inconstante, (101) sendo
que as mais das vêzes seria maior a sua culpa, se fôsse
constante, e firme: o amor só quando deixa de amar se
emenda, só quando é vário se justifica, e só quando é
inconstante se desculpa: quando começa, parece que não é
êrro o amor; porque mal se pode evitar aquele primeiro
instante que nos atrai; aquela primeira luz que nos assombra;
aquêle primeiro agrado que nos engana: o nosso arbítrio, ou a
nossa reflexão, vem depois, como remédio que