matias

(Zelinux#) #1
MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA

não possa desfazer-se; por mais fortes que sejam os
laços com que o amor nos prende, muitas vezes um
discurso os rompe; um pensamento os defaz; uma
reflexão os desata; e pela maior parte êsse discurso de
que nasce a inconstância, procede da aspereza, da
vaidade, e da condição da formosura.

(108) A natureza que na produção da formosura se
empenha em formar um encanto, dêste não quer que
seja invencível o poder; por isso na mesma formosura
inclui logo a tirania, o engano, e a vaidade, para que
êstes feios atributos, expostos à nossa vista, ou sirvam
de quebrar a fôrça a êsse mesmo encanto, ou ao menos
possam limitar-lhe o efeito; e assim temos o remédio
na própria origem da ruína, e no mesmo mal achamos o
defensivo dêle: se a beleza nos atrai a imperfeição do
gênio nos desvia; se nos enleva uma imagem viva,
donde em justas proporções, a natureza mostrou os
seus primores, também uma condição áspera, e
desabrida nos afasta; e finalmente se a nossa própria
inclinação nos tira a liberdade, o nosso entendimento
nos resgata. E assim não se queixe a formosura, nem
do amor, nem da inconstância; veja primeiro se acha a
culpa em si; quanto mais que o amor, ainda que cego,
nem por isso se obriga a estar sempre em um lugar; a
inconstância ainda que odiosa, nem por isso lhe faltam
os motivos, que a fazem justamente ser precisa.
Quantas vêzes a virtude depende unicamente da
mudança! Nem sempre é traição a falta de firmeza;
nem sempre o ser vário é ser infiel; e nem sempre o ser
inconstante é ser ingrato. As sem-razões da formosura
autorizam o nosso esquecimento, o ser sensível é o que
faz ser

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