MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
se permite desgosta, o que se refuga, atrai: o amor não
tem seta mais aguda, que aquela que se armou de
proibição; no tomar, parece que há mais gentileza, que
no aceitar; a dificuldade incita: muitas coisas não têm
outro algum merecimento, que o serem dificultosas; a
resistência é o que move a vontade; tudo o que se
concebe, é sem sabor; a impugnação faz a coisa
considerável, porque lhe dá um ar de empresa, e de
vencimento: os mais altos montes são os que se
admiram, só porque custam a subir; a facilidade é
aborrecida em tudo: o lustre do argumento vem da
contradição. Isto sucede à formosura, a quem a vaidade
prendeu só por livrá-la do amor: mas que pouco
conseguiu a vaidade. Contra o amor não há poder,
apenas se pode impedir algum dos seus efeitos: a
causa, isto é, o amor, sempre permanece constante; a
dificuldade, o retiro, e a prisão fazem que a formosura
seja mais bela e mais amante; a natureza por achar
desvio, não se despersuade; a nossa indústria não a
pode vencer; antes o mesmo é impedi-la, que enchê-la
de estímulo e de alento; quanto mais a abatemos, mais
a fortificamos; é engano parecer-nos que podemos
tirar-lhe os meios; por um que lhe tirarmos, ela se há
de formar mil; primeiro se há de acabar em nós o modo
de embaraçar, que nela o modo despertamos ; o buscar
artifícios para a sossegar, é o mesmo que chamá-la
para o conflito; o mesmo é reprimi-la, que irritá-la. As
águas de uma fonte correm mansamente e sem ruído,
apenas umedecem as flôres que lhe bordam o caminho;
mas se neste encontram embaraço, ou se algum
penedo, que o tempo arrojou do monte, se foi
atravessar, e impediu o passo; então se vê que aquelas
águas, vão crescendo sôbre si, e juntas se acumulam
tanto, que o rompem, e arrastam tudo o que as
comprime, ou subindo se