MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
mas feras deixam as cavernas; a todos parece que é
menor o mal, entregando-se a êle sem abrigo e sem
defesa; outras com súplicas, e com votos, e protestos,
recorrem ao favor da Onipotência, e procuram achar
nos templos um asilo sagrado; a luz dos relâmpagos
repentina e pálida, a cada instante se mostra, e os olhos
tímidos e assustados, também a cada instante se
fecham; alguma vez havia de fazer pavor a luz: segue-
se depois um dilúvio de água; abrem-se as cataratas do
céu; os elementos se unem, como para destruir a
habitação, e habitadores da terra; mil inundações
conduzem para o mar os finais lastimosos das ruínas;
alguma vez havia de ser o mar quem recebesse em si os
restos do naufrágio. Esta pintura que a imaginação de-
buxa, e que a experiência mostra, é o retrato de uma
alma em culpa; esta debaixo de um semblante alegre,
encobre sustos, temores e agonias; o pecado tem horas
em que dentro de nós mesmos nos acusa, e essas são as
horas por onde começa a pena do pecado; o conhecer o
crime é por onde começa o castigo dêle: e quem há que
não conheça a sua culpa? Esta o que a faz criminosa, é o
conhecê-la; a inocência não é mais do que uma falta de
saber; a ignorância faz os brutos impecáveis. Tôdas as
mulheres sabem que o buscar a clausura por vontade, é
o meio de evitar o vício; mas que importa? Nem por
isso vão por aquêle caminho, se as não levam; não
basta que antes o queremos seguir por entre espinhos.
Que oculta simpatia terá conosco o mal, que antes o
queremos seguir por entre espinhos, do que ao bem por
entre rosas? O caminho, que conduz para as felicidades
do céu, por mais que seja largo e alegre, parece-nos
estreito e triste; e aquêle que conduz para as felicidades
da terra, por mais que seja triste e estreito, parece-nos
alegre e largo;