REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
gano; isto vem a ser o mesmo que pesar por um pêso
falso; medir por uma medida errada; e calcular por um
compasso incerto: a infidelidade está no instrumento
que pesa, e que mede; tudo o que julgamos, é segundo
a nossa razão, e segundo a nossa ciência; miserável
instrumento, mil vêzes falso, e enganoso! A ignorância
tem produzido menos erros que a ciência; esta o que
tem de mais, é que sabe introduzir, espalhar, e
autorizar; e segundo a nossa vaidade o errar importa
pouco; o ponto é sustentar o êrro; e nesta forma o que
a ciência nos traz, é sabermos errar com método.
E com efeito em que se acordam os sábios? (126) Qual é
a doutrina em que todos concordam, qual é o sistema em que
todos convêm, ou qual é o princípio em que todos se fundam?
Só a vaidade é certa em todos. Não há furor a que um homem
se não entregue, só pela vaidade de ser cabeça de um dogma,
ou de uma opinião. Vejamos qual tem sido o destino da
filosofia que se diz ser a primeira das ciências. Os discípulos
de Aristóteles dividiram-se em duas seitas ou em duas
parcialidades; uma foi a que chamaram nominais, e outra a
dos realistas; os nominais diziam que as naturezas universais
não eram outra coisa mais do que nomes; os realistas,
seguindo opinião contraria, afirmavam que aquelas naturezas
eram verdadeiramente coisas que existiam na realidade.
Occão, frade inglês, e discípulo de Scoto, foi o cabeça dos
nominais, e João Duns o era dos realistas: êstes seguiam a
Aristóteles mais literalmente; os outros não admitiam
nenhuma entidade supérflua, tendo sempre por infalível o