reprova; o que um fêz, outro emenda; e muitas vezes
na emenda é que está o êrro; semelhante ao mal, que
procedeu unicamente do remédio; cada um defende a
sua opinião, e persiste nela; e cada um se persuade, que
o êrro não esteve na decisão, mas na reformação; em
todos fica constante a vaidade da ciência; e algum que
se retrata, também o move a vaidade de não ser, nem
parecer-se com os outros: uns fazem vaidade de serem
infalíveis, outros também se desvanecem de
mostrarem, que o não são: dêste gênero são poucos;
porque a vaidade de desprezar a vaidade é muito rara,
e em si mesmo é estimável. A virtude, ainda que venha
de um princípio vicioso, sempre é virtude de algum
modo, ou mais ou menos qualificada; o obrar bem por
qual-quel motivo que seja, é bom, as nossas ações não
se determinam pela causa que mostram, por outra que
se não vê; e entre tôdas as causas, aquela que consiste
em uma vaidade inocente, é menos má. Que importa,
que a vaidade seja a que incite o exercício do valor, da
constância, da ciência, e da justiça? O impulso, que
move, fica separado da coisa movida: dois licores
contrários por mais, que se misturem, sempre parece
que um foge do outro, e se separa; o artífice, o
instrumento, a obra, tudo são partes distintas; a vaidade
pode incitar a virtude, mas não incorporar-se a ela;
pode juntar-se, mas não unir-se.
(133) A ciência de fazer justiça é verdadeiramente
ciência de Deus, e dos seus substitutos na terra, que
são os soberanos: é impossível dar-se injustiça em
Deus; nos soberanos, não é impossível, mas é
impróprio: nos mais homens a injustiça é quase na-