matias

(Zelinux#) #1

nem trabalho, que o de dar à verdade alguma sombra,
algum pretexto ao vício, e alguma côr à injustiça: e
assim enquanto houverem côres, sombras, e pretextos,
hão de padecer a verdade, a justiça, e a virtude.


Na ciência de julgar, alguma vez é desculpável (136) o
êrro do entendimento, o da vontade nunca; como se o
entender mal não fôsse crime, êrro sim; ou como se houvesse
uma grande diferença entre o êrro, e o crime: o entendimento
pode errar, porém só a vontade pode delinquir. Assim se
desculpam comumente os julgadores, mas é porque não vêem,
que o que dizem, procedeu do entendimento; se bem se
ponderar, procedeu unicamente da vontade. É um parto
suposto, cuja origem, não é aquela que se dá. Querem os
sábios enobrecer o êrro, com o fazer vir do entendimento, e
com lhe encobrir o vício que trouxe da vontade: mas quem é
que deixa de não ver, que o nosso entendimento quase sempre
se sujeita ao que nós queremos; e que o seu maior empenho, é
servir à nossa inclinação; por isso raras vêzes se opõe, e o
mais em que ocupa, é em confor-mar-se de tal sorte ao nosso
gôsto, que ainda a nós mesmos fique parecendo, que foi
resolvido do entendimento aquilo que não foi senão ato da
vontade. O entendimento é a parte que temos em nós mais
lisonjeira; daqui vem que nem sempre segue a razão, e a
justiça, a inclinação sim; inclinamos-nos por vontade, e não
por conselho; por amor, e não por inteligência; por eleição do
gôsto, e não por arbítrio do juízo: as paixões que nos movem,
nos inclinam; a tôdas conhecemos, isto é, sabemos que
amamos por amor, que aborrecemos por ódio, que

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