Os homens bárbaros não puderam ver no sangue outras
coisas mais, do que aquelas de que consta um corpo
físico; e naquele humor o mais que viram, foi a razão
de mais, ou menos líquido, e a razão de mais, ou
menos côr; dêstes dois princípios fizeram resultar
tôdas as mudanças de que o sangue é susceptível, e por
causa dêle, o homem. Averróis, Avi-cena, Hipócrates,
e Galeno; uns, famosos médicos, e filósofos arábios; os
outros, também famosos filósofos, e médicos gregos,
não conheceram (segundo se diz) a circulação do
sangue. Os que lhe sucederam depois não só fizeram
aquela grande descoberta, mas também entraram a
seguir a idéia de aplicar ou considerar no sangue
muitas razões, e substâncias importantes, de que a
natureza, que o faz, e cria, não tinha, nem ainda tem,
notícia alguma, de sorte, que nesta parte pode dizer-se,
que a natureza não sabe o que faz; e com efeito o que
saber é, que o sangue é uma entidade material, sujeita a
tôdas as leis da hidrostática, e do equilíbrio, e que
forma um líquido espirituoso, vital, universal, e igual
em tudo quanto respira, e é sensitivo; o mesmo modo,
a mesma arte, os mesmos ingredientes, de que a
natureza se serve para fazer o sangue de um leão, de
um elefante, ou de uma águia, são os mesmos de que
se serve também para formar o sangue de uma pomba
rústica, ou de um cordeiro manso; as produções são
diversas, a fábrica é a mesma; não há diferença nos
princípios, nas figuras sim. Se o leão se desvanece, é
porque tem a fôrça, e não porque tem o sangue de leão;
e ainda se se desvanece pela fôrça, é quando se
compara ao cordeiro débil e não se é comparado a
outro leão. Se o elefante fôsse presumido, seria por ter
a corpulência, e não por ter o sangue de elefante: e
ainda no que toca à corpulência, a presunção seria a
res-
zelinux#
(Zelinux#)
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