matias

(Zelinux#) #1

(139) Muda a fortuna o sangue, ou ao menos parece,
que o muda; e com tal variedade, e fôrça, que aquêle
sangue, que algum dia foi humilde, hoje é generoso;
aquêle que foi esclarecido, é humilde; o que agora é
abatido, tempo há de vir em que o não seja; e o que
está sendo ilustre já, também algum dia deixará de o
ser. Deste modo vem a depender o sangue, não só da
fortuna presente, mas da passada, e da futura : não só
lhe prejudica a miséria atual, mas também aquela que
passou; faz-lhe mal o mal que sente, e também aquêle
que não pode sentir; costuma vir-lhe de longe o
abatimento, ou a grandeza; por isso depende menos do
estado presente em que se acha, que do estado passado
em que outros se acharam: e com efeito a fortuna dos
passados faz a nobreza dos presentes, e a fortuna
dêstes faz a nobreza dos futuros; assim se faz a
nobreza, e se desfaz sucessivamente. A mesma fortuna
prepara a nobreza em uns; isto é, começa-a; em outros
a aperfeiçoa; até que finalmente vem a acabá-la em
outros; o acabá-la, é desfazê-la; todas as coisas tendem
naturalmente para o seu princípio. A indigência é mais
natural, ou mais certa que a abundância; esta que
ilustra o sangue é menos permanente do que a pobreza,
que o abate; a decadência é mais comum, e menos
inconstante; a prosperidade é a que faz a nobreza,
enquanto dura; e também é a que a desfaz, quando se
aparta. A nobreza segue os passos da fortuna; se esta é
dilatada, e grande, então se forma uma nobreza
esclarecida; porque os séculos lhe escondem a sua
primeira, e limitada origem. A luz, quando nasce, é
débil; porém insensivelmente se fortifica; nenhum rio
se mostra logo como mar; e dos que são mais cele-
brados, ainda se ignora o donde vêm; talvez que seja
de alguma fonte humilde, e desprezada; mas como

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