dade das virtudes, e pelas outras qualidades, depois; o
conceito, que fazia, foi, que a nobreza não era no
homem parte principal, mas sim parte ajuntada, que só
servia de o ornar, e não de o fazer. Aquêle mesmo rei
foi o terror da nobreza arrogante, e destemida; esta
sempre tinha os olhos assombrados de ver a cada
instante fuzilar o raio; e de ver armado sempre o braço
poderoso; mas armado ao mesmo tempo de justiça, e
de piedade, de furor, e de compaixão. Deste modo
governou em paz, e nos deixou a paz; por isso a mágoa
de o perder foi, e há de ser infinita em nós; e as nossas
lágrimas apenas poderão mitigar-se alguma vez,
suspender-se, nunca. Acabou aquêle monarca augusto,
e parece que não tanto pela fatal necessidade de acabar,
como para que trocado em altar o trono, o respeito em
culto, e o obséquio em adoração, o pudéssemos
invocar. Subiu ao estado de imortal para ser nume
tutelar do Império Português; e em um príncipe (o mais
prudente, e moderado que o mundo viu) nos deixou um
rei benigno, pio, generoso, justo, protetor; assim ficou
disposta a nossa consolação, e seria menos forte a
nossa pena, se pudesse ser o haver remédio para a
saudade.
(162) Um dos abusos, que o tempo, e a vaidade intro-
duziram, foi, a nobreza; esta porém sendo tomada nos
têrmos da sua primeira infância, ou na idéia com que
foi criada, é verdadeira, e útil; e nestes mesmos termos
ninguém lhe pode disputar, nem a utilidade, nem a
verdade da existência. Por nobre, entendiam os antigos
um herói, isto é, um homem distinto dos mais homens,
e distinto por si, e não por outros; pelas suas próprias
ações, e não pelas