MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
dosos, e sempre a porfia vem à proporção da vaidade.
(40) Algumas dúvidas, há que respeitamos; mas nem
a essas perdoa a vaidade, pois nunca quer que fiquem
indecisas: mas infelizmente, porque nelas sempre a
solução da dúvida vem a consistir em outra dúvida
maior. Quase tudo transcende à nossa compreensão,
mas nada transcende à nossa vaidade. Naturalmente
nos é odiosa a irresolução, e antes nos inclinamos a
errar, do que a ficar irresolutos: o confessar ignorância
é ato a que se opõe a vaidade; sendo que rara é a coisa,
que se nos mostra, sem um certo véu que a esconde de
sorte que não vemos, nem buscamos os objetos, mas a
sombra dêles.
(41) Nas paixões é natural o entreter-nos cada uma
com a esperança, que lhe é própria; e com feito nada é
mais agradável do que uma esperança lisonjeira. O
desejo se deleita em meditar no bem, que espera; e a
natureza, a quem as paixões têm sempre em ação, não
cessa de guiar o pensamento para aquela mesma parte,
para donde a nossa inclinação propende; por isso o
amor contìnuamente nos promete, que há de acabar a
tirania, e que cedo há de vir a feliz correspondência; o
ódio nos segura, que vem chegando o dia da vigança; e
finalmente a vaidade só nos oferece idéias de respeito,
e de grandeza; e desta sorte não vivemos, esperamos a
vida.