MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
mais durável, mais forte, e mais contínua; daqui
procede o ser tão deleitável a esperança, porque é uma
espécie de possessão daquilo que se espera. Quem
imagina o que deseja, tudo pinta com côres lisonjeiras,
e mais vivas; por isso a verdade é grosseira, e mal
polida; tudo o que descobre, é sem adôrno; antes faz
desvanecer aquela aparência feliz, com que os objetos
primeiro se deixam ver na idéia, do que se mostrem na
realidade. Tôdas estas propensões, e inclinações se
encontram em cada um de nós; e assim devia ser,
porque as variações do tempo, da idade, da fortuna, e
dos sucessos, a todos compreende, e a todos iguala; só
a vaidade a todos distingue, e em todos põe um sinal de
diferença, e um caráter de desigualdade, e por mais que
a terra fôsse feita para todos, nem por isso a vaidade
crê, que um homem seja, o mesmo que outro homem. É
sutil a vaidade em discorrer; por isso nos inspira, que
há desigualdade no que é igual; que há diferença no
que é o mesmo; e que há diversidade donde a não pode
haver: mas que importa que a vaidade assim discorra,
se sempre é certo, que os homens todos são uns, e que
os não há de diferente fábrica; e que tudo quanto a
vaidade ajunta ao homem, é emprestado, fingido,
suposto, e exterior. Tirada a insígnia, o que fica, é um
homem simples; despida a toga consular, também fica
o mesmo. Se tirarmos do capitão a lança, o casco de
ferro, e o peito de aço, não havemos de achar mais do
que um homem inútil, e sem defesa, e por isso tímido, e
covarde. Os homens mudam tôdas as vêzes que se
vestem; como se o hábito infundisse uma nova natureza
: verdadeiramente não é o homem o que muda, muda-se
o efeito que faz em nós a indicação do hábito. Debaixo
de um apresto militar concebemos