MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
rosas encarnadas convertidas em lírios roxos, os
girassóis em desmaiadas açucenas, entrelaçados os
louros no cipreste, os cajados confundidos, com os
cetros, e com o burel a púrpura; a vaidade pois, e a
fortuna, que em menos de um instante viram desva-
necidos os triunfos da vida pelos triunfos da morte,
precipitadamente fogem, e deixam um lugar cheio de
horror, e sombras, e donde só reina o luto, a verdade, e
o desengano. Assim acaba o homem, assim acabam as
suas glórias, e só assim acaba a sua vaidade.
(80) A franqueza dos nossos sentidos nos impede o
gozar das coisas na sua simplicidade natural. Os
elementos não são em si como nós os vemos: o ar, a
água, e a terra cada instante mudam, o fogo toma a
qualidade da matéria que o produz, e tudo enfim se
altera, e se empiora para ser proporcionado a nós. A
virtude muitas vêzes se acha com mistura de algum
vício; no vício também se podem encontrar alguns
raios de virtude; incapazes de um ser constante, e
sólido, apenas se pode dar em nós virtude sem mancha,
ou perfeito vício: a justiça também se compõe de
iniquidade semelhante à harmonia, que não pode
subsistir sem dissonância, antes com correspondência
certa, a dissonância é uma parte da harmonia. Vemos
as coisas pelo modo com que as podemos ver, isto é,
confusamente, e por isso quase sempre as vemos como
elas não são. As paixões formam dentro de nós um
intrincado labirinto, e neste se perde o verdadeiro ser
das coisas, porque cada uma delas se apropria à
natureza das paixões por onde passa. Tomamos por
substância, a entidade, o que não é mais do que um
costume de ver, de