MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
humana vaidade? Quem nos dera que assim como há
arte para saber, a houvesse também para ignorar; e que
assim como há estudo, que nos ensina a lembrar, o
houvesse também, que nos ensinasse a esquecer.
(84)Somos compostos de uma infinidade de paixões diversas, e
entre elas a alegria e a tristeza são as que se manifestam mais,
e as que são mais difíceis de ocultar: o semblante reveste-se do
estado do nosso ânimo, e a alma que em qualquer parte do
corpo nos anima, ou se mostra prostrada, e sem ação, ou cheia
de uma justa desordem, e de alento; se se vê aflita, nos
desampara, e se retira ao fundo mais interior de nós mesmos;
contente, procura aparecer, e se faz visível debaixo da forma
do nosso riso. Isso mesmo sucede à vaidade; não se pode
esconder, por mais que tome a figura de humilidade, de sub-
missão, e de reverência; a mesma vaidade quando está
contente, logo se descobre, e se deixa ver debaixo de um ar
altivo, e arrogante; se está menos satisfeita, então é que toma
um ar de devoção, e desengano: contudo a hipocrisia da
vaidade pode durar muito, porque como os homens de tudo se
intumescem, em tudo acha a vaidade um exercício essencial;
por isso não só há vaidade na alegria, mas também na tristeza:
o homem não só se desvanece da fortuna, mas também da
desgraça; de sorte que a vaidade é o mesmo que uma
consolação universal.
(85)A fortuna nos dispõe para a alegria, mas não é só o que a
causa; a desgraça conduz para a tristeza, porém não é só o que
a motiva; antes parece