MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
Se algumas vêzes se chora donde só se deve rir, ou se
ri por aquilo porque se deve chorar, a alma então
penetrada de dor, ou de prazer, desmente aquêle
exterior fingido e falso. Só a vaidade sabe transformar
o gôsto em dor, e esta em prazer, a alegria em tristeza,
e esta em contentamento; por isso as feridas não se
sentem, antes lisonjeia-o, quando foram alcançadas no
ardor de uma peleja, esclarecida pelas circunstâncias
da vitória; as cicatrizes por mais que causem
deformidade enorme, não entristecem, antes alegram
porque servem de prova e instrumento visível, por
onde a cada instante, e sem palavras, o valor se
justifica; são como uma prova muda, que todos
entendem, e que todos vêem com admiração e com
respeito; a tristeza, que devia resultar da fealdade,
confunde-se, perde-se, e se muda em alegria por meio
das aclamações do aplauso; a dor do golpe também se
converte em gôsto, por meio do remédio, e simpatia do
louvor; êste atrai a si tôda a nossa sensibilidade, e
deixa a natureza como insensível, absôrta, e indolente:
assim se vê que a vaidade nos livra de uma dor como
por encanto ; por isso nos é útil, pois serve de acalmar
os nossos males; e se os agrava alguma vez, é como a
mão do artista, que faz doer para curar: e com efeito a
vaidade não persiste muito em fazer sensível a razão
que nos molesta; na mesma injúria do desprêzo sabe
descobrir algum motivo, que ou diminui a pena, ou
totalmente a tira; lá vai buscar a religião para fazer da
paciência o maior merecimento; outras vêzes faz que
achemos nos exemplos um alívio constante; e que o
mesmo vitupério, visto em sujeitos grandes, não só
desfaça o nosso pela imitação, mas que também o
autorize, e ilustre pela razão da semelhança. A vaidade
não consente,