vres no campo para impedir, como vimos, o crescimento de uma plebe reivindi
cadora em Roma e conspirações de generais no senado. O terceiro é uma epopeia
para a construção da imagem de Roma como cidade eterna, porque Júpiter pro
meteu ao fundador uma cidade ilimitada no tempo e no espaço, cuja história co
meça com Eneias, herói de Troia e filho da deusa Vênus, e termina com Augusto,
pertencente à gens Júlia, também descendente de Vênus. Roma é eterna porque,
sem limites no espaço e no tempo, fo i fundada pelo descendente de um ser divino
e concluída em seus fundamentos pelo descendente de um ser divino. Antiquitas,
auctoritas, august us, religio e romanitas são, assim, figuradas pelo imperador que,
por seu turno, figura Roma.
O historiador Joel Schmidt resume o enredo da Eneida:Divinamente protegida pela deusa do amor e da fe cundidade [Vênus], o destino de
Roma se inicia com o périplo de Eneias que, partindo da Magna Grécia, fa rá escala
em Cartago para, finalmente, chegar à costa da Itália. Os três grandes continentes,
Europa, Ásia e África, estão, assim, simbolicamente visitados por Eneias, segundo os
desígnios da providência de Júpiter para anunciar o império que Augusto reuniria
sob seu cetro. Eneias é o duplo de Augusto, numa contração do tempo que só é
permitida pela ideologia e a epopeia, mescla de história e ficção. [ ... ] A Eneida faz da
terra romana, tanto no Oriente quanto no Ocidente, a morada comum dos homens
e dos deuses e de Augusto o sucessor natural de Eneias. [ ... ] Há uma cidade cósmica
em que o destino de Roma, o célebre fa tum, e, por consequência, o destino do mun
do, são conduzidos pela vontade de uma providência imanente de que Eneias é o
instrumento central. [ ... ] As Bucólicas, as Geórgicas e a Eneida fo rmam o tríptico lógi
co da ideologia augustana: o retorno à Idade de Ouro que restabelece a concórdia, o
retorno à terra nutriz através de um império ecumênico, e o retorno à tradição da
fundação de Roma através da imagem de um imperador que, pela vontade dos deu
ses e malgrado ele mesmo, não pode furtar-se à potência simbólica de seu destino.
[ ... ] O culto imperial será a consequência lógica da nova ideologia que coloca o im
perador no topo da hierarquia e o faz garantidor inconteste da unidade romana,
graças ao numen que o habita, isto é, à sua marca divina (Schmidt, 1978, pp. 200-1).Por sua vez, o historiador Norris Cochrane, em Cristianismo e Antiguidade
clássica, observa que a Eneida é a construção de Roma como cidade cósmica por
que, simultaneamente terrena e eterna, seu destino se identifica com a história
218