Na verdade, Cícero vai mais longe, pois não só afirma a superioridade do la
tim sobre o grego, como ainda sugere a antiguidade da própria filosofia entre os
latinos quando, na abertura do Livro IV das Tusculanas, menciona o fa to de Pitágo
ras ser um homem da Magna Grécia, isto é, da Sicília, sendo muito provável que
tenha inspirado Numa Pompilio ("que fo i considerado um pitagórico pela poste
ridade") e a lei fu ndadora de Roma, a Lei das Doze Tábuas. Além disso, outra
prova de que a filosofia era de algum modo cultivada entre os latinos está no fa to
de Atenas, ao contestar as ações romanas, ter enviado como embaixadores três
filósofos, sabendo que assim seria compreendida pelo Senado. Todavia, Cícero
com frequência dirá que os romanos, empenhados na vida prática, pouco cuidado
tiveram com o filosofar, de maneira que sua obra vem preencher essa lacuna ao
explicitar a articulação entre a teoria e a prática, o ócio e os negócios públicos.o ecletismo como método
Os tratados filosóficos de Cícero estão escritos em fo rma de diálogo. Essa
escolha, como explica o latinista Milton Va lente, exprime seu ecletismo acadêmico.
Estamos habituados a tomar o ecletismo como a mistura um tanto desorde
nada de opiniões e fo rmas de conduta vindas de diferentes origens e nem sempre
concordantes. Não é o caso. O termo grego eklegein significa selecionar e reunir as
partes selecionadas. O ecletismo é um método que seleciona e escolhe teses oriun
das de sistemas diversos reunindo-as num todo novo e original. Cícero é um eclé
tico, mas, como explica Milton Va lente, um eclético acadêmico, ou seja, inspirado
no probabilismo razoável de Carnéades -isto é, o método do pró e contra - e
na dialética socrática. Examina teses de diferentes procedências, busca o ponto
em que se contradizem e em que concordam, determina qual delas é superior à
outra e a adota, modificando seu sentido inicial graças à sua articulação com ou
tra, de origem diferente, também escolhida como a melhor. O confronto das
opiniões não leva à suspensão do juízo, mas à descoberta do provável e do veros
símil, que podem ser aceitos sem risco de dogmatismo. Cícero trabalha sobre o
dissenso para chegar ao consenso. É esse procedimento metódico que vem se ex
primir sob a fo rma do diálogo.
Nas Tusculanas, Cícero recorda que no Hortêncio (obra que se perdeu) defende
ra a filosofia contra seus vituperadores, que a acusavam de não chegar a parte algu
ma porque perdida em controvérsias. Ora, diz ele, a polêmica e a dissensão revigo
ram a filosofia e as escolas puderam av ançar no conhecimento justamente porque
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