só isso. Em suas obras retóricas, Cícero dá especial destaque a uma qualidade que
deve estar presente no caráter do orador e no conteúdo do discurso, o decorum.
Ora, este se define como o que está conforme aos bons costumes e pela conveniên
cia entre o preceito e a representação verossímil do que deve ser. Assim, nada mais
próximo da perspectiva ciceroniana do que o verossímil acadêmico.
Ora, no De officiis, o decoro é definido como "o que convém à excelência
do homem naquilo em que sua natureza difere da dos outros animais". Em ou
tras palavras, o decoro se refere à racionalidade do homem. Torna-se claro,
portanto, o segundo critério do conhecimento proposto por Cícero, qual seja, o
senso comum, entendido como consenso universal de todos os homens. Agora,
porém, deixamos as terras acadêmicas e entramos em águas estoicas, pois o
senso comum é entendido à maneira da prolépsis estoica, tal como Panécio a
concebe, isto é, como pré-noções inatas universais ou, na linguagem ciceronia
na, semina, sementes de virtude, que, "sem doutrina", todos os humanos pos
suem por que a natureza lhes dá a luz natural (naturae lumen). A perda dessas
primeiras verdades inatas é decorrência da corrupção dos costumes e das fa lsas
opiniões a que ela nos conduz, desviando-nos do bom caminho ao qual, fe liz
mente, a filosofia poderá nos devolver.Com efeito, trazemos ao nascer as sementes inatas (semina innata) da virtude, que,
se pudéssemos amadurecer, a própria natureza nos conduziria à vida feliz. Mas tão
logo somos dados à luz, somos admitidos na família, nos encontramos imediata
mente em meio inteiramente falseado e no qual a perversão das opiniões é comple
ta, de tal modo que parecemos ter sugado o erro com o leite das nutrizes (Tusculanas,
I1I, I, 2).A política
Pohbio, Panécio e os três filósofos embaixadores que, ao se insurgir contra as
injustiças do império, Atenas enviou a Roma (o acadêmico Carnéades, o peripaté
tico Clitômaco e o estoico Diógenes) evidenciaram para Cícero a ausência de re
flexão política entre os romanos e a urgência de realizá-la. Ele o faz em Sobre a re
pública e em Sobre as leis.
Sobre a república se inicia com o elogio dos homens públicos, tanto os funda-
229