bições dos optimates levam a aristocracia para a oligarquia; o desprezo pela ordem
e pela obediência conduz o governo popular à demagogia.
A originalidade de Cícero, porém, está em propor uma mudança de foco
para avaliar os regimes políticos. Em lugar do número de governantes e do risco
da corrupção, o critério de avaliação é a liberdade: a condição de um Estado, de
clara Cipião, depende da vontade de quem o governa e em nenhuma cidade pode
reinar a liberdade se o povo não for soberano. De qual dos regimes políticos isso
pode ser dito? Bem examinados cada um deles, deve-se dizer: de nenhum. A au
sência de liberdade é evidente na realeza e na aristocracia: em ambas, perde-se o
vínculo entre o imperium, o consensus iuri e a communis utilitas, ou seja, entre o
governo e o que lhe deu origem, isto é, o reconhecimento recíproco do justo e a
utilidade comum. Essa ausência é menos perceptível na democracia porque nesta
vigora a ilusão do povo livre, como se este, ao escolher os governantes, não se
deixasse levar pela opinião, pelo fausto e pelo brilho, nem se deixasse arrastar pela
confusão entre liberdade e licenciosidade, que o leva à recusa da obediência e a
dar rédea solta aos apetites. Afinal, nihil incertius vulgo , "nada mais instável do que
o vulgo".
Por que a liberdade dos cidadãos é o critério? Porque sua ausência dá origem
às facções e, estas, às sedições, que destroem o Estado. Ausência da liberdade sig
nifica ameaça contínua de guerra civil e fim da civitas. Presença da liberdade signi
fica concórdia, paz, ordem e estabilidade, ou, nas palavras de Cipião, a eternidade
da civitas.
A conclusão de Cícero é que o único regime político próprio à liberdade,
porque conserva o laço que prende governo, senso de justiça e interesse coletivo,
é o regime misto, que colhe o que há de melhor em cada um dos regimes simples e
afasta seus problemas e perigos.
Assim como nos sons despertados nas liras, nas flautas e nas trombetas, ou no canto
coral sem instrumentos, há uma harmonia bem regrada de tons e timbres diferen
tes, que os ouvidos assim acostumados não suportam a monotonia nem os desacor
des, e assim como essa harmonia é efeito da combinação bem regulada dos sons,
cuja dessemelhança não os impede de concordar, assim também um Estado (civitas),
prudentemente composto da mistura e equilíbrio de todas as ordens de cidadãos,
das mais baixas às mais altas, passando pelas médias, chega à harmonia pelo acordo
dos elementos mais diversos. O que, no canto, é chamado pelos músicos de harmo-232