Você SA - Edição 252 (2019-05)

(Antfer) #1
FOTO: GERMANO LÜDERS

Q


uando passava fé-
rias com a família,
ofundador da Pola-
roid, Edwin Land,
tirou uma fotogra-
fia de sua filha de
3 anos. A menina
quis saber por que
não conseguia ver
a imagem. A dúvi-
da da criança le-
vou Land a pensar
a respeito. Por que não podíamos
enxergar a fotografia imediatamen-
te? O que seria necessário para que
isso acontecesse? Foi a partir des-
sas duas perguntas seminais que o
cientista desenvolveu as percepções
que iriam resultar nas máquinas ins-
tantâneas Polaroid, que abalaram o
setor entre os anos de 1946 e 1986,
com mais de 150 milhões de unida-
des vendidas. A história, relatada no
livro DNA do Inovador (Alta Books,
59,90 reais), mostra quão poderoso
pode ser um questionamento.
Mais do que respostas prontas, são
as perguntas que fazem a diferen-
ça. São elas que geram aprendizado,
provocam a inovação e fortalecem a
confiança de um time. Não há nada
mais eficiente para mitigar o risco
de um negócio e mapear imprevistos
do que a capacidade de contestar.
A boa notícia é que essa habilida-
de pode ser aperfeiçoada. Mas como
fazer boas indagações? Como induzir
ideias e levar à solução de problemas
por meio de perguntas? O primeiro
passo é abandonar velhas crenças.
Se você tiver respostas acabadas na
cabeça, fica difícil pensar algo dife-
rente. É preciso derrubar verdades in-
contestáveis e imaginar novas possi-
bilidades (inclusive as mais malucas).
Foi assim que surgiram empresas
famosas, como a Uber: olhando para
um cenário em que as pessoas só
tinham a opção de andar de táxi e
pagar em dinheiro e indagando como
tudo isso poderia ser diferente. “Até

VOCÊ S/A wMAIO DE 2019 w 37

alguém questionar, muita coisa pa-
rece impossível”, diz Arthur Igreja,
especialista em inovação e tecnologia
da Fundação Getulio Vargas.
Segundo ele, sem o benefício da
dúvida, negócio algum chegará à dis-
rupção. Em O DNA do Inovador, os
pesquisadores Hal Gregersen, Jeff
Dyer e Clayton Christensen (profes-
sores, respectivamente, do MIT, da
Wharton School e da Universidade
Havard) entrevistaram inventores
revolucionários e identificaram que
a capacidade de fazer perguntas é
uma das cinco habilidades que os
diferenciam dos demais. “Coletamos
dados de 500 inovadores e de 5 000
executivos de mais de 75 países.
Encontramos o mesmo padrão em
líderes famosos e não famosos. Os
inovadores eram bem mais propen-
sos a questionar, observar, contatar
pessoas e experimentar do que exe-
cutivos típicos”, escrevem os autores.
Os estudiosos concluíram também
que perguntar é um estilo de vida,
não um exercício intelectual da moda.
Os chefes vanguardistas interpelam
mais — e de modo mais provocativo.
Durante a investigação, por exem-
plo, o trio de estudiosos confrontou
opessoal com a seguinte afirmação:
“Faço com frequência perguntas que
desafiam o statu quo”. Os que as-
sinalaram a alternativa “concordo
firmemente” produziram o dobro de
novos negócios do que os que indi-
caram apenas a opção “concordo”.
Nesse sentido, um bom questio-
nador deve considerar os diferen-
tes ângulos de uma mesma situação.
“Existe sempre um lado que a gente
não vê. Então é preciso imaginar de
que outro jeito as situações poderiam
acontecer. O que estou dizendo é que
as pessoas devem sair do piloto au-
tomático para fazer boas pergun-
tas”, diz Marcelo Pimenta, professor
de design thinking na ESPM.
A publicitária Marina Rejman, de
50 anos, sabe bem disso. Como ques-

tionar é parte de seu trabalho — é
especializada em inovação —, ela vive
desafiando a si mesma para sair da
zona de conforto. “Nossa mente tende
a aceitar as coisas como são. Para que
isso não aconteça, criei um método
que chamo de ‘futuros desejáveis’”,
afirma ela, que é fundadora da con-
sultoria Sala de Cultura. A técnica
consiste em pensar cenários atuais e
imaginar como poderiam ser melho-
res. Além disso, sempre que inicia um
projeto, Marina faz três ponderações:
“por quê?”, “e se?” e “por que não?”
Segundo ela, a indagação “por
quê?” serve para desafiar o estado
das coisas; a condicional “e se?” leva
a explorar diferentes possibilidades;
enquanto a expressão “por que não?”
ajuda a vencer obstáculos, derru-
bando crenças limitantes do mun-
do corporativo. “Perguntas como ‘e
se nossos produtos chegassem aos
clientes de outra forma?’ levam uma
empresa a redesenhar seu modelo
de negócios. Foi assim que itens do
varejo começaram a ser entregues
por assinatura e que os filmes pas-
saram a ser transmitidos por stre-
aming, e não mais retirados em
locadoras”, exemplifica Marina.

Máscara de sabichão
Apesar de ajudar na criatividade, no
conhecimento e na qualidade das
conversas, fazer indagações exige
assumir uma posição de humildade,
admitindo desconhecimento sobre
determinado assunto. É por medo de
se expor, inclusive, que muita gente
deixa de apresentar suas questões. O
maior receio é ser mal interpretado,
transmitindo um sinal de fraqueza
ou desinformação. “Essa sensação
acontece por que temos uma cultura
de que é preciso saber de tudo. Essa
exigência começa cedo, ainda na es-
cola, quando os alunos são cobrados
por respostas”, diz Mônica Barroso,
diretora de aprendizagem do The
School of Life no Brasil.
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