Elle - Portugal - Edição 369 (2019-06)

(Antfer) #1

s livros que mais gosto de ler são
aqueles que não contam só uma
simples história. São os que não
descrevem apenas um cenário ou
pintamumquadro. A escrita de que mais gosto é
aquelaquenoscoloca dentro de uma história, de uma
sala, de um beijo apaixonado debaixo de uma chuva
torrencial. Gosto de quando conseguimos cheirar
aquele ar, ouvir aqueles sons e sentir o coração a ba-
ter muito depressa, tal e qual como os personagens.
F. Scott Fitzgerald fazia-o na perfeição. Descrevia
maravilhosamente cenas complexas que envolviam
revelações emocionais poderosas. E fazia-o de tal forma
bem que sentíamos que, por um momento, tínhamos
saído da nossa própria vida.
Sou bastante suspeita, mas acredito que a forma
como a música consegue transportar-nos para uma
memória há muito esquecida é a sensação mais próxima
que podemos ter de uma viagem no tempo. Até hoje,
sempre que oiço Cowboy Take Me Away das Dixie
Chicks, lembro-me imediatamente de mim com 12
anos, sentada na sala forrada a painéis de madeira da
minha casa de família na Pensilvânia. Estou a segurar
numa guitarra, a aprender a tocar os acordes e a cantar
a letra ao mesmo tempo, ensaiando para um pequeno
concerto num café. Quando oiço I Write Sins Not
Tragedies dos Panic! At The Disco, sou transportada
para os meus 16 anos, a conduzir pelas ruas de Hen-
dersonville, Tennessee, com a minha melhor amiga
Abigail, a cantar (gritar) euforicamente a letra. Quando
oiço How to Save a Life dos The Fray, Breathe (2AM)
de Anna Nalick ou The Story de Brandi Carlile, viajo
imediatamente até aos meus 17 anos e às digressões
que duravam meses sem fim. Quando (entre os longos
períodos passados na estrada numa carrinha que partilhava
com a minha banda e a equipa) estava um dia em casa,
adorava passar as noites de folga no meu quarto, com
velas acesas, a pintar sozinha – só eu e aquelas canções
(são todas da banda sonora da série Anatomia de Grey.
A minha dedicação a esta série não tem limites). Estou
profundamente convicta de que as canções You Learn
de Alanis Morissette, Put Your Records On de Corinne
Bailey Rae e Why de Annie Lennox curaram o meu
coração de desilusões amorosas e separações difíceis.
Adoro escrever canções porque adoro preservar
memórias, é como se pudesse emoldurar um sentimen-
to. Gosto de me inspirar na nostalgia quando estou
a escrever canções pela mesma razão de que gosto de
tirar fotografias. Gosto de ser capaz de me lembrar
dos momentos muito bons e dos muito maus. Quero
lembrar-me da cor da camisola que usava, da tem-

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