DOSSIÊ SUPER 33
Além dA AssociAção livre e dos so-
nhos, outra forma de a psicanálise chegar
ao nosso inconsciente é achando “falhas
de sistema” nesse mecanismo da repres-
são. Como o déjà-vu em Matrix. E elas
acontecem quando você está acordado
mesmo, por curtos-circuitos nas nossas
manifestações conscientes: são os nossos
tropeções na rua, palavras que escapam
da boca, amnésias e outras panes.
Você perde a chave de casa toda sema-
na? Já chamou seu irmão de pai? Deixou
cair, e quebrar, seu celular velhinho? E
aquele nome de filme que você quer in-
cluir na conversa, mas o título teima em
escapar? Segundo Sigmund Freud, ne-
nhum desses equívocos e acidentes é por
acaso. Tudo isso é apenas a sua mente
fazendo você de bobo na frente dos ou-
tros. Mas com a melhor das intenções.
Talvez você perca a chave porque está
infeliz no casamento e, inconscientemen-
te, não quer voltar para casa – o cenário
desse compromisso insatisfatório.
Talvez seu irmão represente uma fi-
gura paterna na sua vida, substituindo
seu pai biológico – um sujeito ausente
que nunca o levou ao parque para andar
de bicicleta.
Talvez a queda do celular velho fosse
um jeito que a sua mente deu para satis-
fazer um desejo bem materialista: o de
comprar aquele iPhone top de linha que
você viu no shopping. Ou não. Pode ser
que você quisesse evitar uma ligação
incômoda que teria de fazer.
E o nome do filme... digamos que fos-
se Um Corpo que Cai (1958), do Alfred
Hitchcock. Talvez você tenha temores a
respeito de acidentes com a sua filhinha
pequena. E uma das aflições comuns de
mães e pais do mundo todo é que seus
bebês caiam do berço – ou do trocador,
do cadeirão, do colo de um parente des-
cuidado... Seu bebê caindo e se machu-
cando é uma visão tão dolorosa que,
conscientemente, você evita pensar nela.
Então uma forma que a sua mente en-
contra para lidar com essa angústia é
rejeitando o nome de um filme que fala
em corpo caindo.
Todos esses esquecimentos, trocas de
palavras e gestos estabanados, com ob-
jetos ou com o próprio corpo, são o que
Freud chamou de atos falhos – em inglês,
Freudian slips, ou “lapsos freudianos”.
São bobeiras que, muitas vezes, a gente
nem nota. Mas que seriam a consequên-
cia de um jiu-jitsu entre a nossa consci-
ência e pensamentos inconscientes em
busca de expressão. Entre repressão e
desejo. O que sai desse combate é um
lutador tão estropiado – o ato falho em
pessoa – que em nada se parece com o
cara que entrou na luta – a ideia incons-
ciente que queria se manifestar.
Segundo Freud, não queremos lidar
com complexos, com ansiedades muito
grandes, com tabus sexuais ou até com
uma vontade terrível de se matar. O ato
falho é a forma que nossa mente cria de
assumir esse conflito: provocando uma
ruptura no sentido original do pensa-
mento, o que leva a um equívoco, uma
pequena amnésia ou um acidente.
Ninguém expressa isso tão bem quan-
to o personagem Chaves, ídolo eterno
das matinês do SBT. Toda vez que ele
apronta uma, sua explicação é “foi sem
querer, querendo”. E a essência do ato
falho está justamente aí: é claro que,
conscientemente, não queremos cometer
erros, deslizes, tropeções – não queremos
chamar a namorada pelo nome da ex.
Mas os lapsos são uma forma de satis-
fazer desejos e motivações inconscientes.
E, ainda que de uma forma torta, conse-
guir um equilíbrio nisso tudo.
A
ATOS FALHOS
Chamou o namorado pelo nome do ex?
Perdeu a aliança de casamento?
Para Freud, nada disso é por acaso.
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