Dossiê Superinteressante - Edição 415-A (2020-05)

(Antfer) #1

50 FREUD


Pois é nesse período que elas notam,
segundo Freud, que seus irmãos e ami-
guinhos do sexo masculino têm pênis.
No mesmo lugar, em seu próprio corpo,
elas só enxergam um grande vazio – ou,
na melhor das hipóteses, um órgão ho-
mólogo em tamanho miniatura, e ainda
por cima escondido, que é o clitóris. O
mundo foi injusto com elas. Então, assim
como as crianças sentem desejo de pos-
suir os brinquedos das outras, as meninas
também passam a querer aquilo que não
têm nas partes baixas, desenvolvendo o
sentimento famoso que Freud chamou
de inveja do pênis.
“Essa falta lhe cai como uma injustiça
e como motivo para se sentir inferior”,
explica Freud, referindo-se à menina. “Por
algum tempo, acredita ainda que terá
esse órgão tão valioso, ou seja, que seu
pênis irá crescer.”
Só que não, ele não cresce. O que fica
para a garota é uma frustração enorme
e o tal de complexo de castração, que
acaba sendo fundamental para que a
menina comece a desenvolver senti-
mentos incestuosos pelo pai. Afinal, ele
tem aquilo que ela tanto inveja.
Nesse período do desenvolvimento
sexual da criança, a mãe – que no início
é o objeto de amor de todo bebê – per-
de pontos no conceito da menina por
dois motivos. O primeiro, segundo
Freud, é que a garotinha culpa a sua
genitora pela falta de pênis no seu cor-
po – a mamãe não teria caprichado na
sua fabricação como fez com o irmão-
zinho. O segundo é que a menina co-
loca na cabeça que pode amenizar sua
inveja com um pênis simbólico: um
filho. E não é com a mamãe, outra cas-
trada, que ela vai conseguir isso.
Então esse conjunto de motivos as-
sociado a uma supervalorização do
pênis leva a garota a direcionar seu
afeto agora ao papai, com quem acha
que pode casar e gerar um bebê. Melhor
ainda se esse bebê for um menino. (Na
menina, então, essa ansiedade da cas-
tração precede o complexo de Édipo


  • o inverso do que acontece com os
    meninos.) Possuidora de um bebê-pê-
    nis, ela já não precisaria mais invejar
    seus pares machos.
    Pois é. Bebês-pênis, meninas que se
    acham meninos mutilados, crianças
    incestuosas... Até aí, Sigmund Freud
    simplesmente apresenta uma teoria
    que você pode achar completamente


alucinada. Mas o que acabou revol-
tando feministas e não feministas do
mundo todo foi o que ele apontou
como consequências dessa inveja do
pênis no desenvolvimento da sexua-
lidade da mulher.

Mulher de malandro
Na elaboração de suas teorias a res-
peito das perversões, Freud contrapôs
sadismo e masoquismo, associando a
primeira a uma forma ativa de unir dor
e prazer, impondo a dor a outra pes-
soa, e a segunda a uma forma passiva,
sofrendo o diabo e achando bom. Adi-
vinhe qual dessas o pai da psicanálise
liga às mulheres? Se você pensou no
bizarro bordão misógino “mulher gosta
de apanhar”, não está muito longe da
avaliação freudiana.
E o homem, segundo ele, tem maior
inclinação a gostar de bater. “A sexu-
alidade da maioria dos homens mos-
tra um elemento de agressividade, de
inclinação a subjugar, cuja significação
biológica estaria na necessidade de
superar a resistência do objeto sexual
por algum outro meio além de fazen-
do-lhe a corte”, afirma em seus Três
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade.
Em contrapartida, a perversão maso-
quista estaria associada a uma fixação
da atitude sexual passiva que tem ori-
gens lá na infância, no complexo de
castração que irá definir a futura mu-
lher. Ou seja, enquanto a natureza
ativa do sadismo é a virilidade, a pas-
sividade do masoquismo é relaciona-
da ao feminino.
Não que homens não possam ser ma-
soquistas. Mas, para Freud, a necessi-
dade de punição e humilhação vem de
um estágio infantil de situação carac-
teristicamente delas, que significa ser
castrado, penetrado ou dar à luz uma
criança. Tudo que dói.
Freud ainda associa a mulher a um
sentimento de culpa provocado por um
masoquismo moral, que é uma neces-
sidade inconsciente de ser punida pela
mão do pai, tomar umas boas palmadas,
como se fosse uma criança travessa.
“Sabemos agora que o desejo, tão fre-
quente em fantasias, de ser espancado
pelo pai se situa muito próximo do
outro desejo, o de ter uma relação se-
xual passiva (feminina) com ele”, diz
Sigmund no artigo O Problema Econô-
mico do Masoquismo.

“Essa falta
lhe cai
[para a
menina]
como uma
injustiça
e como
motivo para
se sentir
inferior.
Por algum
tempo, ainda
acredita
que terá
esse órgão
tão valioso,
ou seja,
que seu
pênis irá
crescer.”

imagem: Getty Images

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