National Geographic - Portugal – Edição 217 (2019-04)

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Com um único auricular no ouvido, David
atravessa a rua, dirigindo-se a uma das cinco es-
colas secundárias de Bidibidi. Alto, magro como
um feijão-verde e conversador, possui uma
energia incansável. O dia foi longo e, enquan-
to David atravessa o pátio juncado de pedras, é
acometido pela apatia induzida pelo calor. Aca-
ba por avistar depois um jovem de camisa cin-
zenta. “Foi meu professor no Sudão do Sul!”
Em passo apressado dirige-se ao homem e
abraça-o. Senta o corpo desengonçado numa
cadeira, puxa do telefone e bombardeia Soko
Khamis, seu antigo professor do ensino secun-
dário e actual director académico da escola de
Bidibidi, com uma série de perguntas, estalando
os dedos de cada vez que faz uma: Quando abriu
esta escola? (Fevereiro de 2017.) É uma constru-
ção provisória? (Sim.) Que desafi os enfrenta?
(As casas de banho estão a desmoronar-se. Os
alunos têm fome. Há falta de livros.)
“Quando vai regressar à nossa escola?”, indaga.
“Ah”, suspira Soko. “Lá, ainda há guerra.”


UMA EXPERIÊNCIA FANTÁSTICA está actualmente
em curso no Uganda. Há uma paisagem industrial
no horizonte, composta por torres de abasteci-
mento de água e torres de sinal de telemóvel,
erguendo-se sobre robustas cabanas de adobe e
pequenos lotes de agricultura familiar. Escolas e
centros de saúde são construídos em tijolo e reves-
tidos a betão. Há janelas de vidro e água potável
nas torneiras. Pequenos painéis solares alimentam
os candeeiros de rua, bem como os rádios das bar-
bearias, os televisores onde se assiste aos jogos de
futebol nos salões comunitários e os telemóveis
cujos cabos de alimentação serpenteiam em esta-
ções de carregamento nas lojas.
Em campos de refugiados de todo o mundo,
os seres humanos vivem amontoados em ten-
das, abrigos improvisados ou habitações metáli-
cas. Os seus movimentos são restritos, havendo
regulamentos que os impossibilitam de traba-
lhar fora dos campos e de saírem deles.
No Uganda, ao abrigo de uma das políticas
públicas mais progressistas do planeta, os refu-
giados da guerra civil no Sudão do Sul podem
viver, cultivar a terra e trabalhar em liberdade.
O futuro de Bidibidi é debatido ao mais alto ní-
vel no governo local e na comunidade interna-
cional. O objectivo é criar uma cidade habitável
a partir de um campo de refugiados, uma cidade
que possa subsistir mesmo que, um dia, muitos
desses refugiados regressem ao seu país.


Se pensarmos que Venezafoifundadanosécu-
lo V por refugiados que escapavamà guerrae que
os campos palestinianos fundadoshá 50 anossão
agora indestrinçáveis dosoutrosbairrosnascida-
des do Médio Oriente, parecelegítimoimaginar
que uma crise de refugiadospossadarorigema
uma cidade defi nitiva e talvezatébonita.Amaior
parte dos campos em todoomundoaindasão
construídos como locaisprovisórios.Arapideze
a sobrevivência ganhamprioridadesobretudoo
resto e os grupos de ajudahumanitária,ospaíses
anfi triões e os próprios refugiadostêmesperança
de regressar a casa em breve.Arealidadeé dife-
rente: os refugiados permanecemnoexílio,em
média, durante dez anos.Nummomentoemque
existe um número recordedepessoasdeslocadas,
a manutenção de camposprovisórioscustacen-
tenas de milhões de eurosporanoe mantémsus-
pensas as vidas de milhõesdepessoas.
Em Dezembro de 2013,doisanosdepoisda
independência do Sudão do Sul, um conflito
entre facções rivais deuorigemauma guerra
civil. Um acordo de pazpermitiucriartréguas
nos combates, mas em Julhode 2016 oacordo
desfez-se. Uma vaga de homicídios indiscri-
minados assolou o paíse dezenasdemilhares
de habitantes fugiram paraoUganda.Bidibidi
abriu em Agosto e, quasedeimediato,afluíram
ao campo seis mil pessoaspordia.
Um mês mais tarde, os 193 Estadosmembros
da ONU comprometeram-sea assegurarumain-
tegração mais completa dosrefugiadosnassuas
sociedades. Treze países,entreosquaiso Uganda,
desenvolvem projectos-piloto.NocasodoUgan-
da, esta situação foi apenasa confirmaçãodealgo
já em prática: os refugiadosjápodemvivere tra-
balhar há uma década nopaís.Em2017,o Ugan-
da lançou também uma iniciativaparaencorajar
o desenvolvimento em zonas de acolhimento
de refugiados.

Camposderefugiados

IMAGEM
À DIREITA
UGANDA

SUDÃO DO SUL

REP. DEM.
DO
CONGO

Ni

lo

Br

an

co

Koc
hi

Arua

Bidibidi


Imvepi

Campo
Rhino

Maaji

Palorinya
Nyumanzi

0 mi^20
0 km 20

UGANDA

ÁFRICA

ÁREA
DO
MAPA

Nilo

Milhares de refugiados
do Sudão do Sul vivem
em Bidibidi e noutros
campos vizinhos.

(Continua na pg. 58)

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