MICROPLÁSTICOS 71
Mergulhando o rosto na água,
dei por mim a contemplar o inte-
rior de um berçário de peixes. Ovas
de peixe vogavam à deriva como
lanternas minúsculas, com os seus
sacos vitelinos refulgindo à luz
do sol. Larvas de peixe, pequenas
como joaninhas, nadavam rapida-
mente por ali. Comparativamente,
uma castanheta com cerca de dois
centímetros de comprimento pare-
ceu-me enorme quando me passou
diante dos olhos. Mais abaixo, um
cardume de chicharros-pretos com
30 centímetros – parecidos com ca-
rapaus, mas com olhos gigantescos
- devoravam tudo o que tinha a in-
felicidade de ser pequeno.
Os meus guias nesse dia, o ocea-
nógrafo Jamison Gove e o especia-
lista em biologia marinha Jonathan
Whitney, da Agência Nacional para
o Oceano e a Atmosfera dos EUA
(NOAA, na sigla anglófona) em
Honolulu, estão há quase três anos
envolvidos num projecto de inves-
tigação que tem por objectivo com-
preender esta cena caótica. O estado
larvar é a “caixa negra” da biologia
pesqueira: entram ovos fertilizados
e saem peixes jovens, mas o que su-
cede no interior continua a ser va-
gamente compreendido. Os peixes
em estado larvar são tão pequenos e
frágeis que se tornam muito difíceis
de estudar. A enorme maioria nun-
ca atinge o estado adulto. Contudo,
as populações de peixes de todo o
mundo, bem como os animais que
os devoram, dependem do número
de larvas de peixe que conseguem
atingir a maturidade e das condi-
ções em que isso acontece.
Ultimamente, Jamison e Jona-
than descobriram – e as fotografias
de David Liittschwager documenta-
ram-no – que os peixes e os alimen-
tos saudáveis para eles não são os
únicos materiais que estão a agregar-
-se às manchas ao largo do Hawai.
Os microplásticos, fragmentos mi-
núsculos de lixo humano, também
se reúnem lá, e em tal abundância
que as larvas de peixe os devoram
nos seus primeiros dias de vida.
Para os peixes recém-nascidos, co-
mer significa viver mais um dia: e se
a sua primeira refeição for composta
por plástico, não consumirão as ca-
lorias necessárias para viverem até
à segunda. “Venceram muitas pro-
babilidades para chegarem tão lon-
ge”, resume Jamison. “Eclodiram,
encontraram a mancha, estão a ali-
mentar-se e a crescer. Isto é um dé-
cimo do ponto percentual conquis-
tado até agora: eles são os sortudos.
E agora entra o plástico em cena.”
Os resíduos de plástico, na sua
maior parte provenientes dos rios e
do despejo negligente em terra, são
arrastados para o oceano a uma
média de aproximadamente nove
milhões de toneladas por ano,
segundo um estudo realizado em
2015 por Jenna Jambeck, da Univer-
sidade da Geórgia. O lixo visível,
juntamente com as imagens desola-
doras do seu impacte sobre todos os
animais, das tartarugas às baleias,
tem provocado a indignação da opi-
nião pública mundial. No entanto, a
luz solar, o vento e as ondas acabam
por decompor o plástico oceânico
em pedaços que mal se vêem. Uma
das maiores incógnitas é o efeito que
estes microplásticos, de dimensão
inferior a cinco milímetros, podem
ter sobre os peixes.
Os peixes são uma fonte funda-
mental de proteína para quase três
mil milhões de pessoas, inúmeras
aves marinhas e outros animais.
No entanto, os indicadores confir-
mam que, desde a década de 1970,
os stocks de peixe têm vindo a de-
cair em todo o mundo. As popula-
ções dos grandes peixes predadores,
como o atum, têm diminuído de
forma ainda mais acentuada. Este
declínio é em grande parte causado
pela sobrepesca, mas o impacte da
poluição e das águas aquecidas e aci-
dificadas pelas alterações climáticas
tem vindo a aumentar.
Graças a uma grelha
pintada sobre uma
placa de Petri, um
técnico da NOAA
consegue fazer a
triagem de uma
amostra e identificar
organismos minúsculos
como a larva de um
charro-preto, à
esquerda, mesmo ao
lado da fila do meio.
Os quadrados têm
um centímetro de lado.
Abraçando a missão
de conservar os
recursos da Terra, a National
Geographic Society ajudou
a financiar esta reportagem.