National Geographic - Portugal - Edição 218 (2019-05)

(Antfer) #1

76 NATIONAL GEOGRAPHIC


Jonathan e Jamison levaram-me
a ver uma mancha ao largo de Oahu
porque ficava perto do seu laborató-
rio, mas o seu principal local de in-
vestigação situa-se nas imediações
da Ilha Grande, onde dois grandes
vulcões proporcionam protecção
eficaz contra os ventos. A modi-
ficação abrupta do leito marinho
revelou uma surpresa adicional: as
manchas atraem um convénio oceâ-
nico não só de peixes de recife, mas
também de peixes de maior profun-
didade, incluindo peixes com valor
comercial significativo como o dou-
rado, o espadarte e o espadim.
“Temos peixes das profundezas,
peixes pelágicos e peixes de reci-
fe, todos em interacção durante as
primeiras semanas de vida”, afirma
Jonathan. “É singular. Não sou ca-
paz de imaginar outro lugar na Terra
onde crias de proveniências diferen-
tes partilhem berçários.”
Jonathan e Jamison estavam à
espera de encontrar plástico nas
suas manchas de superfície: afinal,
a cadeia do Hawai localiza-se na
trajectória da deriva da Grande Ilha
de Lixo do Pacífico. O seu enfoque
era a investigação fundamental so-
bre peixes em estado larvar, mas
as amostras que recolheram conti-
nham quantidades de plástico tão
significativas que os forçaram a re-
pensar o seu projecto.
Segundo os resultados prelimina-
res, nas manchas de superfície, existe
uma concentração de plástico muito
superior à de peixes em estado larvar.
Nas águas fora das manchas de su-
perfície, os dois oceanógrafos desco-
briram quase três vezes mais larvas
de peixe do que microplásticos. No
interior das manchas, a contagem
invertia-se: os microplásticos ultra-
passavam os peixes em estado larvar
numa proporção de sete para um.
“Não fazíamos ideia de que iría-
mos descobrir estas concentrações”,
resume Jamison. Um dos primeiros
peixes que dissecaram tinha plásti-
co no intestino.


Os danos causados por este plástico
ainda estão por apurar. No entanto, já
surgiram pistas. O plástico reduz o
apetite e o ritmo de crescimento dos
peixes que o ingerem. Isso pode afec-
tar a reprodução e, em última análise,
a abundância de peixes. “Quanto
maior for uma fêmea, mais ovos con-
seguirá carregar e maior número de
descendentes pode gerar”, diz a toxi-
cóloga Susanne Brander.
Jonathan e Jamison supervisio-
naram a dissecação de mais de 650
peixes em estado larvar. Encontra-
ram plástico em 8,6% daqueles que
foram capturados em manchas de
superfície. Não parece muito e, fora
das manchas, essa percentagem di-
minuía para menos de metade, mas
a comunidade científica sabe que as
pequenas alterações à sobrevivência
dos peixes em estado larvar podem
traduzir-se em grandes alterações
nas populações.
Os investigadores da NOAA des-
cobriram filamentos azuis de polieti-
leno e polipropileno, habitualmente
utilizados para fabricar redes de pes-
ca, nos estômagos de larvas de espa-
darte, espadim e de mais cinco es-
pécies. Os filamentos são parecidos
com aquilo que delicia as larvas de
peixe: copépodes minúsculos, crus-
táceos azulados com antenas finas.
Aparentemente, os peixes-voado-
res comem plástico com frequência.
Além de servirem de presas aos pei-
xes maiores, são uma das principais
presas de 95% das aves marinhas
do Hawai. Será que as aves ingerem
plástico juntamente com as presas?
Por cada pergunta respondida, sur-
gem dez novas perguntas.
O peixe mais pequeno com plás-
tico no estômago descoberto por
Jamison e Jonathan tinha seis milí-
metros de comprimento, mas as fi-
bras que os peixes comem são ainda
mais pequenas. “Têm menos de um
milímetro. Mal se vêem a olho nu”,
resume Jonathan. Essa é “a parte
chocante: o problema é aquilo que

nem sequer conseguimos ver”. (^) j
Nesta amostra, um
saco de plástico azul
começou a desintegrar-
-se. Duas pontas de
corda retorcidas de uma
rede de pesca acumulam
algas e outros organis-
mos. Uma larva de
dourado (ao centro,
à direita), com cerca
de cinco centímetros,
afasta-se da corda;
um peixe-porco com
2,5 centímetros de
comprimento (em cima,
à esquerda), com cerca
de dez semanas e quase
com idade suficiente
para regressar ao recife,
levanta o nariz na
direcção de um
fragmento triangular
de plástico branco.

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