National Geographic - Portugal - Edição 218 (2019-05)

(Antfer) #1
MAIO | EDITORIAL

O ciclone e Moçambique


GORONGOSA

O ciclone Idai foi o mais
grave no hemisfério sul
desde que há registos.
Entrou pelo centro de
Moçambique no dia 15 de
Março e causou prejuízos
avultados e mais de mil
mortos em quatro países.


arrancadas da paisagem pela força incon-
trolável das águas. Pelas estimativas recen-
tes, mais de mil pessoas perderam a vida
em Moçambique, Madagáscar, Malawi e
Zimbabwe como resultado directo da
catástrofe. Na Beira, a pouco mais de cem
quilómetros da Gorongosa, o ciclone pro-
vocou um ciclo terrível de destruição,
isolamento, fome e até um surto de cólera.
Durante alguns dias, o contacto com a
região foi difícil. Mais de metade do Parque
Nacional da Gorongosa ficou submersa. No
final de Março, porém, após uma sequência
de dias tenebrosos, surgiram luzes ao fundo
do túnel. O governo moçambicano, a direc-
ção da área protegida e várias organizações
não governamentais começaram a coorde-
nar os esforços de socorro e abastecimento
das populações. Durante a reportagem, Greg
Carr tinha sublinhado a missão que uma
área protegida, na sua visão moderna, deve
abraçar: a de fornecimento de competências
e meios para as populações humanas vizi-
nhas a entenderem como uma força viva de
progresso e não como um obstáculo.
Na tragédia, o PN Gorongosa desem-
penhou essa missão. Os helicópteros
realizaram voos para ligar aldeias isola-
das. Os vigilantes e demais funcionários
ajudaram como puderam as cerca de 200
mil pessoas que vivem na zona-tampão
da área protegida, levando 70 toneladas
de alimentos, medicamentos e, sobretudo,
conforto. Teve lugar uma generosa anga-
riação de fundos. No infortúnio, o PN
Gorongosa foi mais um amigo dos
moçambicanos.
E sim: a vida selvagem, tanto quando
se sabe neste momento, resistiu ao
impacte do desastre natural. A maioria
da fauna ter-se-á deslocado para as zonas
de maior altitude, resistindo ao Idai.
A reportagem que publicamos este mês
tem por isso esse valor acrescentado.
As raízes do Parque Natural da Gorongosa
estão bem fincadas no solo.

UM DOS PIORES PESADELOS imagináveis
para uma redacção sucede quando um
acontecimento imprevisto e disruptivo
perturba a planificação cuidadosa de
vários meses, criando um novo cenário
para a realidade já descrita e tornando
“velhas” as fotografias recolhidas. Na
preparação desta edição, experimentámos
na pele este velho adágio do jornalismo.
Durante meses, o fotógrafo Charlie
Hamilton James e o jornalista David
Quammen visitaram o Parque Nacional
da Gorongosa, em Moçambique, captando
a extraordinária biodiversidade ali con-
centrada e os esforços de promoção de
desenvolvimento sustentável das comu-
nidades residentes no parque ou nos
limites da área protegida.
No dia 15 de Março, tudo mudou.
O ciclone Idai avançou pelo centro de
Moçambique, devastando tudo à sua pas-
sagem, naquele que se tornou o ciclone
mais poderoso alguma vez registado no
hemisfério sul. Dias depois, o cenário era
dantesco. Estradas e pontes tinham sido
NASA
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