18 NATIONAL GEOGRAPHIC
Ao longo da sua carreira de 46 anos, passada sobretudo em Florença e
Milão, Leonardo sentiu-se seduzido pelo conhecimento, movido por um
olhar permanentemente curioso e determinado a segui-lo. Estudou latim,
coleccionou poesia e leu Euclides e Arquimedes. Enquanto os outros se
entregavam ao perceptível, ele esquadrinhava minudências – ângulos geo-
métricos, a dilatação da pupila – saltando de uma disciplina para a outra
e procurando ligações entre elas. Desenhava esboços de flores e máqui-
nas voadoras, projectava equipamentos de guerra para o duque Ludovico
Sforza, seu patrono, construía ornamentos teatrais com penas de pavão e
elaborou um plano para desviar o Arno entre Florença e Pisa.
Leonardo documentava tudo com um espantoso nível de pormenor, no
verso e no canto dos papéis, com apontamentos minúsculos escritos à mão
para serem lidos com um espelho, da direita para a esquerda. Algumas des-
tas páginas existem hoje como folhas avulsas. Outras foram encadernadas
nos volumes actualmente conhecidos como cadernos de apontamentos
ou códices. Não existe uma ordem evidente, nem mesmo em cada página
individualizada, e temas semelhantes figuram frequentemente em folhas
diferentes, completadas anos depois. Tudo isto torna difícil, até para os es-
pecialistas, acompanhar o ritmo acelerado da sua mente, confessa Paolo
Galluzzi enquanto folheia, maravilhado, reproduções de cadernos de apon-
tamentos de Leonardo. Sempre que fazia uma observação, surgia-lhe na
mente uma pergunta, que invariavelmente conduzia a outra, diz o director
do Museu Galileu, em Florença.
É difícil abarcar a ímpar capacidade de Leonardo para superar o trabalho
dos seus antecessores: fê-lo questionando os seus temas e invalidando os
seus próprios veredictos. No Codex Leicester, Leonardo investiga a manei-
ra como a água chega ao topo das montanhas, acabando por rejeitar a sua
convicção inicial de que o calor a atraía para cima. Em vez disso, percebeu
que a água circula através da evaporação, das nuvens e da chuva. “Mais im-
portante do que descobrir a forma como os riachos da montanha funcio-
nam, era descobrir como... se poderia descobri-lo”, afirma o biógrafo Walter
Isaacson. “Ele contribuiu para a invenção do métodocientífico.”
Para Leonardo, os preceitos da ciência (observação,hipótesee experi-
mentação) eram fundamentais para a arte. Deslocava-sefluidamenteentre
os dois reinos, retirando lições de um para informaro outro,dizFrancesca
Fiorani, directora associada de artes e humanidadesnaUniversidadede
Virgínia. O seu maior talento era a capacidade detornaro conhecimento
visível”, acrescenta. “É aí que reside o seu poder.”
É no estudo da anatomia que esse talento maisseevidencia.Dissecou
cadáveres humanos, separando a musculatura subjacenteemtrêsdimen-
sões, para ver com os próprios olhos de que maneiraumapernaouumbra-
ço flectiam. Os contemporâneos de Leonardo, incluindoo seurivalMiguel
Ângelo, estudaram músculos e ossos para melhorara suarepresentaçãoar-
tística do corpo humano. “Leonardo foi para alémdisso”,dizo historiador
de ciência Domenico Laurenza, radicado em Roma.“Asuaabordagemà
anatomia era a de um verdadeiro anatomista.”
Os dados científicos reunidos por Leonardo nosseuscadernosdeapon-
tamentos estão subjacentes a cada traço do seu pincel.Osestudosana-
tómicos desmontaram a biologia das expressões faciais.Quaisosnervos
que levam a “franzir as sobrancelhas”, ou a “fazer beicinho,ouumsorriso,
ou uma expressão de espanto?”, interrogava-se nosseusapontamentos.
A sua análise da luz e da sombra permitiu-lhe iluminarcontornoscom
uma subtileza inigualável.
LEONARDO
O
engenheiro
Fascinado pelos
princípios da
engenharia, Leonardo
desenhou planos para
pontes, edifícios e
equipamentos militares.
Acima de tudo, ansiava
por desenhar uma
máquina voadora para
seres humanos e, por
isso, passou mais de
duas décadas a estudar
o voo animal. Numa
página do Codex
Atlanticus, esboçou um
projecto para uma asa
mecânica.
VENERANDA BIBLIOTECA
(Continua na pg. 28) AMBROSIANA/BRIDGEMAN IMAGES