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Leonardo eliminou os contornos tradicionais, optando por suavizar os
contornos de figuras e objectos com uma técnica conhecida como sfumato.
A óptica e a geometria resultaram num sofisticado sistema de perspectiva,
exemplificada em A Última Ceia. Observações minuciosas permitiram-lhe
retratar profundidade emocional nos sujeitos que pintava, que parecem
sensíveis em vez de rígidos.
A inventividade de Leonardo, porém, tinha um preço. Aborrecia os seus
clientes com constantes atrasos e muitas obras ficaram por acabar, incluin-
do A Adoração dos Magos. Os especialistas atribuíram esse facto ao seu
entusiasmo por novos temas e ao perfeccionismo: o desafio de fazer algo
superava a expectativa de o terminar. Para Leonardo, o que importa ver-
dadeiramente é o processo, diz Carmen Bambach, curadora de desenhos e
gravuras do Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque. “Não é, de todo,
o resultado final.”
Com efeito, quanto mais conhecimento adquiria através dos estudos
apontados nos seus cadernos, mais difícil se tornava para Leonardo des-
cobrir a meta final na sua arte. “À medida que pintava, sem parar, percebia
que era possível criar gradações infinitesimais de tom e transição, entre a
luz mais clara e intensa e a sombra mais profunda”, explica a especialista.
Exames de raios X ao trabalho de Leonardo revelam alterações abundan-
tes, conhecidas como pentimenti. O infinito transformou-se num conceito
muito real, com implicações práticas: havia sempre mais para aprender.
“Em muitos aspectos, é um processo intelectual interminável”, comenta.
Isto pode ajudar a explicar o motivo pelo qual Leonardo nunca publi-
cou os seus cadernos de apontamentos. Ele tencionava completar tratados
sobre muitos temas, incluindo geologia e anatomia. Em vez disso, a orga-
nização dos seus esboços e manuscritos ficou ao cuidado do seu fiel com-
panheiro Melzi. Nas décadas seguintes à morte de Leonardo, dois terços a
três quartos das suas páginas originais foram provavelmente roubadas ou
perderam-se. A maioria das páginas sobreviventes começou a ser publica-
da apenas no final do século XVIII, mais de duzentos anos após a sua morte.
Por essa razão, diz Domenico Laurenza, “sabemos pouco sobre o legado de
Leonardo como cientista”.
As investigações, teses e descobertas de Leonardo foram confiadas aos que
seseguiram.Séculos mais tarde, ainda estamos a tentar acompanhá-lo.
o legado dos cadernos de apontamentos de Leonardo é palpável hoje
em dia. J. Calvin Coffey, chefe de cirurgia na Graduate Entry Medical School
da Universidade de Limerick, na Irlanda, estava a desenvolver uma investi-
gação há alguns anos quando fez uma descoberta espantosa: uma observação
feita por Leonardo, por volta de 1508, confirmava uma teoria que ele tentava
validar. Calvin Coffey estuda o mesentério, uma estrutura em forma de leque
que liga os intestinos delgado e grosso à parede traseira do abdómen. Desde
a publicação de Gray’s Anatomy, em 1858 (na altura intitulado Anatomy: Des-
criptive and Surgical), que os alunos aprendiam que o mesentério era for-
mado por várias estruturas separadas. Todavia, ao realizar um número
crescente de cirurgias colo-rectais, Calvin Coffey começou a suspeitar que o
mesentério era um órgão contínuo.
Enquanto ele e os colegas examinavam a anatomia da estrutura para pro-
var esta hipótese, o médico descobriu um desenho de Leonardo represen-
tando o mesentério como uma estrutura ininterrupta. O momento consti-
tuiu um instante de clareza. A princípio, olhou para ele e desviou o olhar.
Depois olhou novamente.
LEONARDO
O inventor
Leonardo encheu
cadernos de
apontamentos com
invenções que nunca
construiu, incluindo este
dispositivo concebido
para permitir aos
mergulhadores respirar
debaixo de água.
Pacifista, Leonardo
afirmava que não
divulgaria como fabricar
os seus dispositivos
subaquáticos “por causa
da natureza maldosa
dos homens”. O artista
temia que pudessem
ser utilizados para
destruir navios.
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