O Estado de São Paulo (2020-05-27)

(Antfer) #1

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HISTÓRIAS


NA


Em novo projeto, Emicida usa trajetória


pessoal para construir jornadas coletivas


No dia 10 de maio, Emicida fez
uma live que já foi chamada de
“histórica” nas redes sociais: o
rapper ficou mais de 8 horas de
pé e cantando, uma atrás de ou-
tra, 100 músicas da sua caneta
(e de parceiros), cujos fonogra-


mas são da Laboratório Fantas-
ma, sua empresa e gravadora.
Com uma ação do patrocina-
dor, o montante arrecadado via
um QR Code na tela foi de R$
800 mil, para o Mães da Favela,
programa criado pela Central
Única das Favelas (CUFA) para
auxiliar mães solo moradoras
de favelas de 17 Estados e do Dis-
trito Federal.
Foram mais de 900 mil visuali-
zações e cem mil tuítes sobre a
maratona. “Antes de começar, a
gente estava preocupado, achan-

do que não ia ter música sufi-
ciente (risos)”, diz Emicida, por
videoconferência. Participaram
da live o DJ Nyack e o cantor
Thiago Jamelão, na sede da gra-
vadora, zona norte de São Pau-
lo. Toda a equipe está em home
office, e Emicida é também um
empresário tentando caminhar
pelas novas circunstâncias.
“A gente faz nossas reuniões
por vídeo, pensamos como orga-
nizar o RH, demos férias para
uma parte da equipe, fazendo
equilíbrios e ajustes para não
prejudicar ninguém. A gente faz
muita coisa, tem muita ideia, e
temos conseguido conduzir
sem desligar ninguém. Estamos
antecipando algumas ideias,
acrescentando outras camadas

do entretenimento, no videoga-
me, cinema, literatura, tudo isso
vai ser amplificado, queremos
potencializar e nos transformar
em um grande hub de ideias e
conteúdo.” Ele para: “não gosto
desse termo, não (risos)”.
Um dos lançamentos previs-
tos é a LAB Fantasma TV, no
Twitch, previsto para junho.
“Nossa primeira preocupação
são as pessoas, depois vamos
entender os mercados, não são
coisas antagonistas”, diz. “É de-
safiador, nos primeiros 15 dias
(de quarentena), fiquei desespe-
rado, mas passou. Vamos vi-
brar positivamente, porque
tem isso também: a gente desco-
nhece nossa capacidade de cola-
boração.” / G.S.

ILUMINAR


SHOW RENDEU R$ 800


MIL PARA MÃES SOLO


Guilherme Sobota


Quando Emicida lançou AmarE-
lo, seu disco mais recente, em
outubro de 2019, sua ambição já
mirava voos mais altos que um
simples conjunto de canções.
Resultado de anos de pesquisas
e vivências em diversas partes
do mundo, o disco traz em sua
forma esse indicativo. São raps
com histórias e recados de
amor, oferecendo um abraço
em tempos – mesmo antes dis-
so tudo – sombrios. Talvez num
momento de falta de ilumina-
ção, artistas consigam jogar luz
sobre um ambiente, e é o que
pretende o novo projeto de
Leandro Roque de Oliveira, 34
anos, o AmarElo Prisma.
Está lá, na capa do Pink Floyd,
para todo mundo ver: o prisma
transforma um raio de luz, alte-
rando a velocidade das ondas
em cores diversas. O Prisma –
projeto multiplataforma que en-
volve podcast, vídeos no YouTu-
be e conteúdo nas redes sociais
a partir desta quarta-feira, 27 –
também trata sobre isso: trans-
formação e velocidade. “Você já
parou para pensar que é parte
de um sistema gigante, um siste-
ma que envolve todos os seres
vivos, todos os elementos do
planeta, todas células do seu cor-
po?”, diz, no Movimento 1 – serão
quatro, como uma sinfonia.
Em cada movimento, o can-
tor – que, em uma entrevista,
cita de Belchior e Paulo Moura a
Toni Morrison e bell hooks –
exerce mais uma vez o que Ama-
rElo deixava claro como um de
seus preceitos: uma empatia hu-
manista transformadora e úni-
ca no cenário não só do rap na-
cional, mas da cultura brasileira
como um todo.
A primeira das quatro partes
do projeto joga sua atenção pa-
ra a alimentação e os cuidados
com o corpo. Com entrevistas
com nutricionista, profissio-
nais da gastronomia, da Ayurve-
da e de empreendedores da ali-
mentação saudável – a maioria
ligada a trabalhos em regiões
menos favorecidas financeira-
mente –, Emicida compartilha
narrativas pessoais buscando
uma estratégia coletiva.


Privilégio. Um dos fatores
mais interessantes da discus-
são, usualmente restrita às ro-
das de conversa de veganos, é jus-
tamente tentar compartilhar a
ideia de que a alimentação saudá-
vel não pode ser um privilégio.
“A gente já concebia o AmarE-
lo maior do que simplesmente
um disco nas plataformas”, ex-
plica Emicida, por videoconfe-
rência com a reportagem. “A
construção do projeto trouxe
muitas histórias, ideias sobre
contar histórias diferentes, con-
trapontos à oficial. Passamos
agora pelo 13 de Maio – nos últi-
mos cinco ou dez anos, essa data
foi muito atacada. Dizem que a
princesa Isabel deveria ser a pro-
tagonista, mas quem está mais


informado sabe que houve movi-
mentos abolicionistas responsá-
veis pelo contexto.” Para ele, é
constrangedor que esse tipo de
revisionismo histórico esteja as-
sociado a ideias absurdas como

o “terraplanismo” e a total falta
de entendimento sobre o que
foi o nazismo. O novo projeto é
também uma tentativa de na-
dar contra essa maré.
“Quando mergulhamos nas

referências, samples e metáfo-
ras, o disco faz uma reflexão in-
voluntária e se conecta com mui-
to do Brasil do passado. Mas
acredito que ele trata muito tam-
bém sobre o futuro, e o P risma é

essa ‘forma geométrica’ que re-
cebe luz branca e a converte em
um arco íris, dissipando para to-
das as possibilidade de cor.”
Emicida acredita que o mo-
mento histórico é marcado pe-

lo esgotamento do modelo da
colonização, “perigoso e limita-
dor”, e a ideia é compartilhar in-
formações e sabedorias afro-
americanas, nativas, orientais.
“Penso muito sobre a escola e
nos buracos deixados pela infor-
mação que recebi ali. Se a escola
tivesse me instigado, com dúvi-
das que me fizessem olhar para
o lugar onde nasci e entender
que as plantas podem ser co-
mestíveis, que taioba não é ca-
pim... Essas informações não
chegaram por vias tradicio-
nais”, lamenta o artista.
Para ele, o ensino insuficien-
te da história do País também
impediu a construção de um ca-
minho melhor, de um “projeto
Brasil com humanidade”.
O Prisma é também mais um
passo na missão que Emicida
empreende com o rap nacional
para desmontar estereótipos.
“Há uma forma de se comuni-
car, entre nós, que nos fez repro-
duzir muitos comportamentos
que já não fazem sentido em


  1. bell hooks diz que o rap
    tem um potencial gigante, mas
    que arranha apenas a superfície
    do que é ser um homem preto.
    Existem tantas camadas dentro
    disso. Não podemos ficar limita-
    dos a ser uma cicatriz, uma tra-
    gédia. A indignação também é
    urgente e útil, mas é importan-
    te entender a necessidade de se
    conectar com a vida antes de
    uma tragédia.”
    Os Movimentos, com pod-
    casts de cerca de 1h30, vídeos e
    textos nas redes sociais, vão tra-
    tar ainda sobre saúde mental,
    atividades físicas e da importân-
    cia de se conectar com sua co-
    munidade – “também não que-
    ro que seja individualista, que-
    ro que conexões aconteçam”.
    “A doçura é revolucionária”,
    diz o artista, compositor, em-
    presário. “Malcolm X diz, na
    sua autobiografia, que, se você
    oferecer ao sedento um copo de
    água suja, ele vai beber, mas, se
    colocar uma água limpa, me-
    lhor. A gente está oferecendo o
    que acreditamos que seja a água
    limpa. A gente parte do rap, e
    tudo está entrelaçado na histó-
    ria, a gente caiu, sofreu, chorou,
    mas a gente se levantou, cons-
    truiu, sonhou. As pessoas preci-
    sam partir do micro, e aqui eu
    digo no sentido de pensar o que
    comer. Será que a comida que
    eu coloco na minha mesa não
    tem destruído a vida de famílias
    no cerrado, no norte do meu
    País? Estou falando, nesse proje-
    to, desse tipo de reflexão mais
    ampla, para que as pessoas
    saiam do modo avião.”


lAlimentação
“Precisamos partir do
micro, no sentido de pensar
no que comer. Será que a
comida que coloco na mesa
não tem destruído a vida de
famílias no cerrado, no
norte do meu País?”

JÚLIA RODRIGUES

QUARENTENA


Aliás


Ensaios inéditos de Umberto Eco PÁG. H6


ANDREA COMAS/REUTERS


  • 13/12/2010


Live. Mensagens dos raps de Emicida ressoaram nos fãs

JÚLIO BENEDITO – 10/5/ 2020

Apresentação ao vivo


teve mais de 8 horas, cem


músicas próprias e um


freestyle de 15 minutos


com frases dos fãs


Prisma. Referências vão
da ciência social à música
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