O Estado de São Paulo (2020-06-01)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 1 DE JUNHO DE 2020 Metrópole A


DANIEL MARTINS


DE BARROS


R


esponda rápido: quais
pensamentos lhe vêm à
sua cabeça quando rece-
be a notícia de uma morte – ou
uma centena delas – por covid-19?
Se não for a primeira, no máximo a
segunda pergunta que você se faz é
se a pessoa era de algum grupo de
risco. Era idoso? Estava com diabe-
tes descontrolado? Tinha qual
doença crônica? Praticamente as-
sumimos que a pessoa era de gru-
po de risco e experimentamos um
certo alivio inconfesso quando é
isso mesmo: “Ufa! Estou seguro”,
pensamos secretamente. Até o la-
mento é diferente – “Puxa, coita-
do”, dizemos quando morre um jo-
vem saudável. Como se a morte de
quem é velho ou portador de algu-
ma doença crônica fosse menos la-

mentável.
Não é de propósito. São alguns efei-
tos colaterais do conhecimento que
acontecem em toda epidemia. Os epi-
demiologistas correm atrás dos da-
dos para deles extrair informações e
encontrar informações sobre o fun-
cionamento daquela doença. Onde
estão a maioria dos casos, quem são
as pessoas mais afetadas, quais os
meios de transmissão mais importan-
tes – tudo isso é fundamental para
tentar controlar o avanço da doença.
A partir disso alguns padrões são
descobertos. E surge então a ideia
dos grupos de risco. Na epidemia de
H1N1, por exemplo, eram as grávi-
das. Na de zika vírus, os fetos das
grávidas – principalmente as de con-
dição mais pobre. Na AIDS, os ho-
mens que tinha relações sexuais

com homens. Na MERS, os tratado-
res de camelos.
Evidentemente é importante sa-
ber quem são as pessoas mais suscep-
tíveis para direcionar os esforços de
prevenção e tratamento. Mas basta
ler esses exemplos para entender por
que nos sentimos aliviados com as
mortes nos grupos de risco: eles são
quase sempre vistos como distantes
de nós. Quem não está grávida, não
acha que é pobre, não tem relações
com pessoas do mesmo sexo ou nun-
ca chegou perto de um camelo assu-

me que está seguro. É óbvio: nin-
guém gosta de viver com medo.
Nada melhor então do que acredi-
tar que os vulneráveis são diferentes
de nós. Isso dá uma sensação de segu-
rança. É uma sensação frágil, contu-
do, já que qualquer notícia de morte
fora do grupo de risco a abala. Daí o
alívio quando sabemos de óbitos no
time dos outros. “Ufa. Ainda estou a
salvo”. Elas nos ajudam a manter o

viés de normalidade.
Essa tendência de nossa mente a
acreditar que as coisas estão nor-
mais, que nada mudou, também cha-
mada de efeito avestruz, nos leva a
minimizar ameaças. E nada melhor
para reforçar tal crença do que enxer-
gar risco só para os outros. Nos con-
vencemos que de fato nossa vida po-
de seguir em frente como se nada esti-
vesse acontecendo.
Nem é preciso ser esperto para sa-
ber os riscos escondidos aí. Estudos
feitos em outras epidemias de in-
fluenza mostram que quem acha não
ser susceptível a um problema tem
probabilidade muito menor de se
proteger dele. Não lava a mão, não
cobre a boca, mantém-se desaperce-
bido. O que evidentemente a coloca
em risco. E por não fazer parte do
grupo de risco ela se assume compor-
tamentos arriscados. Ajudando a es-
calar o contágio.
Outro efeito colateral bastante pe-
rigoso é nós culparmos as vítimas.
Outro viés cognitivo que não nos
abandona é a falácia do mundo justo.
A mania de nosso cérebro de interpre-
tar tudo de forma lógica, como se a
realidade pudesse ser encaixada nu-

ma cadeia de causa e consequên-
cia, nos inclina a intuir que tanto
as coisas boas como as coisas ruins
foram consequência de escolhas.
Como se, de alguma forma, elas
merecessem o bem ou o mal que
lhes acometeu. Quem manda ser
gay? Quem manda ser gordo?
Quem manda ser velho, pobre, se-
dentário? Se tivesse cuidado da
saúde, se comportado melhor, não
fosse bulir com camelos, não teria
morrido. Não articulamos cons-
cientemente esses pensamentos
(pelo menos não a maioria das pes-
soas), mas eles estão presentes em
muitas situações negativas – a ver-
gonha que acompanha muitas víti-
mas de adversidades é consequên-
cia desse viés.
Não sugiro abrirmos mão do con-
ceito de grupo de risco, como não
abandonamos um tratamento efi-
caz apenas porque ele tem efeitos
colaterais. Mas é preciso aprender
a lidar com eles, para que o remé-
dio não faça mais mal do que a
doença.

]
É PSIQUIATRA

facebook/danielbarrospsiquiatra
ESCREVE QUINZENALMENTE

Astronautas norte-americanos Bob Behnken e Doug Hurley realizaram uma viagem de 19 horas após lançamento realizado no sábado


A cápsula da SpaceX chegou à
Estação Espacial Internacio-
nal no domingo, 31, às 11h
(horário de Brasília). Depois
do lançamento neste sábado
a partir do Centro Espacial
Kennedy, na Florida, os astro-
nautas Bob Behnken e Doug
Hurley fizeram uma viagem
de 19 horas a bordo da cápsu-
la Crew Dragon até atingir o
destino.
A cápsula atracou cerca de 15
minutos antes do previsto, sem
ocorrência de problemas. Po-
rém, a missão será apenas consi-
derada um sucesso quando os
astronautas retornarem em se-


gurança para a Terra.
A expectativa é de que Beh-
nken e Hurley fiquem na esta-
ção por pelo menos um mês e
no máximo por quatro meses. A
viagem foi histórica: pela pri-
meira vez desde 2011 a Nasa rea-
liza uma missão espacial tripula-
da saindo dos Estados Unidos.
É também a primeira vez que
uma empresa privada lança as-
tronautas em órbita – até então,
apenas as espaçonaves governa-
mentais chegavam a tais altu-
ras. “Foi uma grande honra ser
apenas uma pequena parte des-
se esforço de nove anos desde a
última vez que os Estados Uni-

dos atracaram na Estação Espa-
cial Internacional”, disse o as-
tronauta da Nasa Bob Behnken.
“Temos que parabenizar os ho-
mens e mulheres da SpaceX, to-
do reconhecimento é pouco pa-
ra seus esforços incríveis nos úl-
timos anos que tornaram isso
possível”, concluiu.
Na manhã do domingo, os as-
tronautas Behnken e Hurley dis-
seram em uma transmissão ao
vivo pela internet que a viagem
foi tranquila e que eles dormi-
ram boas horas de sono já na
órbita da Terra. Nesta manhã,
ambos foram acordados com a
música “Planet Caravan”, da

banda Black Sabbath.
A Space Exploration Techno-
logies, SpaceX, é vista nos Esta-
dos Unidos como uma imprová-
vel história de sucesso no em-
preendedorismo. Elon Musk
contrariou alertas de pessoas
próximas, que falavam sobre a
falta de experiência dele na
área, e investiu US$ 100 mi-
lhões na sua ideia. Dezoito anos
depois, a empresa tem 7 mil fun-
cionários e enfrenta o seu
maior teste. Antes de chegar ao
patamar de formar uma parce-
ria com a Nasa, a SpaceX enfren-
tou dificuldades nos seus pri-
meiros anos. Três lançamentos

consecutivos não chegaram à
órbita, impondo prejuízo finan-
ceiro significativo a Musk. Quan-
do o quarto lançamento, em
2008, conseguiu colocar um sa-
télite de mentira no espaço, a
empresa se aproximou rapida-
mente da agência americana, pa-
ra quem passou a transportar su-
primentos para a estação espa-
cial internacional.
Parte do sucesso da empresa
pode ser atribuído à mentalida-
de de reaproveitamento de par-
tes de foguetes, que antes eram
descartadas após um único uso.
Agora, depois do lançamento,
eles voltam a pousar.

Riscos dos riscos


Nada melhor então do que
acreditar que os vulneráveis
são diferentes de nós

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TRANSMISSÃO AO VIVO
assista em:

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VACINAÇÃO


UM ATO DE AMOR EM


TEMPOS DE PANDEMIA


Dia 9 de junho é dia


nacional da Imunização.


O Media Lab Estadão e a GSK


promovem nesta data, a partir das 9h,


o webinar “Vacinação: um ato


de amor em tempos de pandemia”.


Presenças confi rmadas:


Renato Kfouri


Pediatra Infectologista e Presidente do


Departamento Científi co de Imunizações da


Sociedade Brasileira de Pediatria


Ana Goretti Kalume Maranhão


Pediatra do Programa Nacional de


Imunização do Ministério da Saúde


A mediação é da jornalista Rita Lisauskas.


Webinar


Material dirigido ao público em geral. Por favor, consulte o seu médico. NP-BR-GVX-BRF-200001 – MAIO/

NASA TV

SpaceX chega na Estação Internacional


Sucesso. Acoplagem
ocorreu antes do previsto
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