National Geographic - Portugal - Edição 231 (2020-06)

(Antfer) #1
trabalhos forçados nos arredores
de Dresden, na Alemanha.
Nesse Inverno, fez duas
tentativas de fuga falhadas e,
como castigo, foi transferido para
uma fábrica de sabão. Ele e outro
prisioneiro de guerra sabotaram a
fábrica, provocando um incêndio
e a sua destruição total, acto que
lhes valeu uma sentença de
morte. “Transferiram-nos para uma
prisão em Dresden e anunciaram-
-nos que seríamos fuzilados na
manhã seguinte”, recorda Gregg.
Interveio então o destino.
Nessa noite, aviões britânicos e
norte-americanos lançaram
bombas incendiárias sobre
Dresden. A prisão foi
directamente atingida e Gregg
escapou através de um muro
derrubado. Nas suas palavras, os
horrores que testemunhou ao
longo dos dias que se seguiram
assombraram-no para o resto da
vida, enchendo-o de culpa e de
vergonha. “Até então, a minha
guerra consistia em soldados a
combater contra soldados, mas
aqui eram mulheres e crianças,
civis”, conta. “Não conseguia
acreditar. Nós éramos,
supostamente, os bons da fita.”
Gregg fugiu de Dresden no
rescaldo dos bombardeamentos
e, esgueirando-se para leste,
reuniu-se às forças soviéticas que
avançavam sobre o terreno. Estava
com elas em Leipzig no dia em
que a Alemanha se rendeu.
Depois de viver seis anos em
condições extremas, pareceu-lhe
impossível acomodar-se à vida
civil. Procurou o risco e o perigo,
ora participando em corridas de
motos, ora fazendo trabalho
clandestino para os serviços
secretos britânicos do MI6, ora
envolvendo-se ele próprio nos
movimentos clandestinos
pró-democracia por detrás da
Cortina de Ferro.
Gregg foi recentemente
convidado a dar uma palestra
sobre as suas experiências. Entre o
público encontrava-se uma mulher
octogenária que, na juventude,
sobrevivera ao bombardeamento
de Dresden, mas perdera uma
perna. Ao conversarem depois
da palestra, Gregg descobriu a
paz interior que procurara
durante décadas. “De certa forma,
senti-me finalmente perdoado.”
— Roff Smith

VICTOR
GREGG


Atirador britânico


A OFERTA de um brioche e de
uma chávena de chá quente
pareceu encantadora aos ouvidos
de Victor Gregg, naquela manhã
fria e húmida de Outubro de 1937.
Foi suficientemente aliciante para
ir atrás de um recrutador até ao
seu escritório e alistar-se no
Exército Britânico. “Fazia 18 anos
nesse dia”, recorda Gregg, hoje
com 100 anos. “E tanto quanto me
consigo lembrar nunca me
ofereceram a chávena de chá!”
Em vez disso, deram-lhe um
lugar na fila da frente da Segunda
Guerra Mundial, do princípio ao
fim. Depois de se qualificar como
atirador, Gregg foi destacado por
um curto espaço de tempo na
Índia e prestava serviço militar na
Palestina quando a guerra
rebentou, em Setembro de 1939.
Passou os três anos seguintes no
deserto norte-africano, em
missões clandestinas na
retaguarda das linhas inimigas.
Mais tarde, tornou-se pára-
-quedista e participou na invasão
de Itália. Em Setembro de 1944,
saltou na batalha de Arnhem,
numa tentativa fracassada dos
Aliados para controlarem uma
ponte sobre o rio Reno.
“Disseram-nos que a vitória
estava garantida”, recorda. “Em
vez disso, encontrámos algumas
divisões Panzer de cuja existência,
aparentemente, ninguém se
apercebera.” Os combates foram
brutais, corpo a corpo, e os
pára-quedistas britânicos foram
derrotados. Gregg foi capturado e
enviado para um campo de


R.R. «RUSSELL»
CLARK

Marinheiro dos EUA

QUANDO UMA LESÃO
contraída a jogar futebol
americano deixou Russell Clark
com uma hérnia, ele soube que
seria dispensado do serviço
militar. Então com 18 anos,
nascido e criado numa quinta do
Kansas, Russell estava decidido a
juntar-se aos dois irmãos na
guerra. Pagou para ser operado,
a fim de corrigir o seu problema
e, de seguida, alistou-se.
No início de 1945,
encontrava-se algures no
Atlântico Norte, trabalhando na
casa das máquinas do
contratorpedeiro de escolta USS
Farquhar. “Lá em baixo, havia
calor e vapor: 38^0 C”, recorda
Clark, agora com 95 anos.
Apesar das longas horas de
calor passadas abaixo do convés,
Russell considerava-se um
felizardo. “Os pobres rapazes que
andavam lá em cima, no convés,
em pleno Atlântico Norte,
tinham muito frio”, conta. A única
refrega com o inimigo aconteceu
na manhã seguinte à rendição da
Alemanha. Um submarino nazi
que, aparentemente, não
recebera as notícias, avançou
contra o Farquhar. “Não tivemos
alternativa”, diz. “Lançámos um
torpedo contra eles.” Tudo o que
restou foi uma mancha de
óleo.— Bill Newcott

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