National Geographic - Portugal - Edição 231 (2020-06)

(Antfer) #1

P


ouco depois de chegar a Terezin, um
campo de concentração nazi, em 1943,
Fred Terna começou a fazer desenhos.
Desenhou beliches com três camas, filas
de pessoas aguardando a vez de recebe-
rem as parcas rações de alimentos e as
linhas de caminho-de-ferro que trans-
portavam os prisioneiros para Aus-
chwitz. Assinou alguns dos esboços com
um símbolo, para não ser possível identificá-lo
como autor. Desenhar, veio ele a descobrir, era
uma maneira de se lembrar da sua humanidade.
Fred tinha 16 anos quando as tropas alemãs
avançaram sobre Praga, a sua cidade natal, em



  1. Quando os soldados norte-americanos o
    libertaram, seis anos mais tarde, era “um daqueles
    esqueletos que se arrastavam”, conta. Esteve preso
    em quatro campos de concentração e passou
    fome, fugiu e foi capturado. Quase morreu de frio
    e subnutrição. Regressado a Praga, soube que mais
    nenhum membro da sua família imediata sobre-
    vivera à guerra.
    Casou-se com uma sobrevivente, sua colega no
    campo, e acabou por instalar-se em Nova Iorque,
    onde se tornou artista a tempo inteiro. Hoje com
    96 anos, ainda pinta e dá aulas. No estúdio, situado
    no último andar da sua casa de Brooklyn, cria as
    suas próprias misturas de tinta acrílica. “É a minha
    tentativa de alcançar a imortalidade”, diz sobre a
    pintura. As telas de Fred Terna, espessas em tex-
    tura e cenas incandescentes, cobrem os corredo-
    res. “Deixamos um registo. O meu registo é visual.”
    Quase 40 anos após o fim da guerra, Fred
    encontrou uma pessoa que guardara os seus dese-
    nhos de Terezin e os levara para Israel. “Na altura,
    não sabíamos que eu estava, de facto, a criar
    documentos históricos.” Tal como o número
    tatuado no seu braço – 114974 – os desenhos eram
    prova do que lhe acontecera e aos seis milhões de
    judeus que pereceram no Holocausto. “Sim, as
    nossas famílias partiram, mas a sua memória
    mantém-se viva”, diz. “É minha obrigação – e,
    num certo sentido, é agora a vossa – lembrá-lo ao
    mundo.” — Nina Strochlic


JEANNINE
BURK

Sobrevivente do Holocausto
QUANDO TINHA 3 ANOS,
Jeannine Burk atravessou Bruxelas de
eléctrico com o pai. Ele tocou à
campainha da casa de uma estranha,
deu um beijo de despedida à filha, e
deixou-a com a mulher que lhes abrira
a porta. Ele viria a ser detido pela
Gestapo com um grupo de cidadãos
judeus, morrendo mais tarde numa
câmara de gás de Auschwitz.
Entre 1942 e 1944, Jeannine
permaneceu escondida em casa da
mulher cristã. Tinha comida e abrigo,
mas pouco mais. Quando os nazis
marchavam nas redondezas, a sua
salvadora mandava-a esconder-se na
casa de banho exterior. Jeannine
espreitava por uma nesga entre as
tábuas de madeira.
Em 1944, chegaram os soldados
britânicos. Pouco depois, a sua mãe,
regressada do seu esconderijo rural,
voltou para buscá-la. Nunca mais viu
a sua salvadora. “Tenho 80 anos e
ainda choro”, diz Jeannine. “Nunca
tive oportunidade de lhe
agradecer.” — Katie Sanders

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 31
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