O Estado de São Paulo (2020-06-13)

(Antfer) #1

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O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 13 DE JUNHO DE 2020 Metrópole A21


FERNANDO


REINACH


C


om o relaxamento prematu-
ro da quarentena no Brasil, o
que não vão faltar são pes-
soas infectadas pelo novo coronaví-
rus. Por esse triste motivo, o Brasil
não só se tornou o local ideal para
testar novas vacinas, como se trans-
formou num dos países em que so-
mente uma vacina pode salvar a vi-
da de dezenas de milhares de pes-
soas. Foi nesse ambiente que o go-
verno do Estado de São Paulo, por
meio do Instituto Butantã, está assi-
nando um contrato com a empresa
chinesa Sinovac Biotech.
O acordo, que ainda não foi divul-
gado na íntegra, é o seguinte: o gover-
no recruta os voluntários para os tes-
tes de uma vacina que está sendo
desenvolvida pela Sinovac e paga os
custos de todo o ensaio clínico fase


  1. Algo que deve custar por volta de
    R$ 100 milhões (os valores não fo-
    ram divulgados). Em troca, o Institu-
    to Butantã terá o direito, caso os tes-
    tes comprovem a eficácia da vacina,
    de construir uma fábrica da vacina


no Estado de São Paulo e a produzir um
número ainda não divulgado de doses,
sem ser obrigado a pagar os direitos de
propriedade intelectual à Sinovac.
Esse é um negócio da China, segura-
mente para a Sinovac, que conseguiu
um financiador e os pacientes para tes-
tar seu produto a custo zero. E talvez
também para o Brasil, pois caso a vaci-
na comprove sua eficiência, o Butantã
poderá produzi-la localmente. Em su-
ma, estamos pagando por um produto
que ainda não existe. Esse é mais um
dos custos de não termos conseguido
controlar a propagação do vírus.
A questão é saber quais as chances
dessa aposta dar certo, e isso depende
de os ensaios clínicos demonstrarem
que a vacina funciona, e do Butantã ser
capaz de produzi-la o mais rapidamen-
te possível a um custo razoável.
A vacina da Sinovac é feita a partir de
partículas virais de Sars-CoV-2 inativa-
das, uma técnica clássica que compro-
vadamente funcionou para diversos ví-
rus e é usada em todo o mundo. Sem
dúvida isso aumenta as chances de su-

cesso. Mas ela tem suas dificuldades.
Para produzir o vírus em grande
quantidade, a Sinovac isolou amostras
de vírus de diversos pacientes e desen-
volveu um método para infectar célu-
las cultivadas in vitro (fora de um ser
vivo). As células escolhidas são deriva-
das de um macaco e se chamam células
Vero. Elas se dividem bem fora do cor-
po do macaco e são aparentemente
imortais, pois não envelhecem. As célu-
las são crescidas em um meio de cultu-
ra e inoculadas com o vírus, passando a
produzir grande quantidade de partí-
culas de Sars-CoV-2.

Após um certo tempo, todo o meio
de cultura é retirado e o vírus é inativa-
do com um composto químico para
que não provoque a doença quando in-
jetado em seres humanos. Depois o ví-
rus é purificado para retirar todos os
restos das células de macaco. Feito is-
so, o vírus inativado é combinado com
estabilizantes e colocado em frascos.
A vacina está pronta. O principal pro-
blema dessa metodologia é a preocupa-
ção com o aparecimento de mutações
durante a replicação do vírus por mui-
to tempo nas células de macaco. De
fato, os cientistas descobriram que al-
gumas mutações apareceram durante

os primeiros cultivos, mas foram pou-
cas, e o vírus aparentemente cresce
bem e não se altera muito quando se
reproduz nas células de macaco.
Outro problema é que o cultivo de
células Vero é um processo industrial
complicado, de custo alto e difícil de
escalar para grandes volumes. Além
disso, a fábrica estará produzindo gran-
de quantidade de partículas virais capa-
zes de produzir a covid-19 e contami-
nar os funcionários, o que torna impor-
tante que ela seja bem isolada. Todos
esses problemas são bem conhecidos,
mas podem tornar essa vacina muito
mais cara que as concorrentes e mais
difícil de produzir em larga escala.
A Sinovac já está construindo na Chi-
na uma fábrica para produzir 100 mi-
lhões de doses da vacina por ano, o que
é uma boa notícia, pois o Butantã pode-
rá simplesmente copiar essa fábrica se
a vacina e o processo fabril funciona-
rem bem. Para vacinar todo o Brasil em
um ano, serão necessárias duas fábri-
cas dessas em pleno funcionamento.
Imagine que o teste da fase 3 seja bem-
sucedido, mas demore de seis a 12 me-
ses. Se iniciar a construção da fábrica
nesse momento, talvez leve mais um
ano para ela estar produzindo, ou seja,
teremos as primeiras doses daqui a 18
ou 24 meses. Outra possibilidade é o
Butantã começar a construção da fábri-
ca antes dos testes terminarem, mas
esse é outro risco. Se a vacina não fun-
cionar, o investimento nos ensaios da

fase 3 e na fábrica irão ao lixo.
Finalmente o último risco. O Bu-
tantã é um grande produtor de vaci-
nas, mas não tem histórico de cum-
prir prazos ou ser eficiente. Prome-
teu uma vacina para a zika, para a
dengue, e a cada nova epidemia pro-
mete produzir uma vacina rapida-
mente. Infelizmente isso nunca
aconteceu. As razões são várias,
mas uma delas é o fato de ser um
órgão público, pouco eficiente, on-
de vários casos de mau uso dos re-
cursos são bem conhecidos.
O fato é que o Brasil, por não ter
conseguido controlar o vírus, se co-
locou no córner, e quando você está
no córner, a solução é correr riscos.
Riscos que países que controlaram
o vírus não precisam correr. Mas is-
so é o Brasil. Vamos torcer para que
esse acordo seja um negócio da Chi-
na também aos brasileiros.

]
MAIS INFORMAÇÕES: 1- PRODES: METODO-
LOGIA PARA CÁLCULO DA TAXA ANUAL DE
DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA LEGAL.
INPE, VERSÃO DE 30/10/2013

2- DETERB: THE NEW AMAZON NEAR REAL-
TIME DEFORESTATION DETECTION SYS-
TEM. IEEE. JOURNAL OF SELECTED TO-
PICS IN APPLIED EARTH OBSERVATIONS
AND REMOTE SENSING. VOL. 8 (2015)

É BIÓLOGO

COBERTURA NOVA
ACLIMAÇÃO - VISTA 360º
Vendo com 423m^2 á.ú. 4 suítes, 7 vagas
Quadra de tênis oficial.
(11)98188-9007

Gonçalo Junior


O Brasil é o segundo país do
mundo com mais mortes por
coronavírus. A triste posição
no ranking foi obtida ontem,
quando o País alcançou o to-
tal de 41.901 óbitos e 829.802
pessoas infectadas, segundo
levantamento conjunto feito
pelos veículos de comunica-
ção Estadão, G1, O Globo, Ex-
tra, Folha e UOL. Em compa-
ração com o levantamento da
Universidade Johns
Hopkins, o Brasil ultrapas-
sou o Reino Unido, que regis-
tra 41.566 óbitos.
Os Estados Unidos conti-
nuam no topo do ranking com
114.195 mortes. Segundo balan-
ço da Organização Mundial de
Saúde (OMS), o Brasil já ocupa-
va a segunda posição no ranking
de casos. Dados atualizados até
as 20 horas de ontem mostram
que, nas últimas 24 horas, foram
registrados 843 novos óbitos e
24.255 casos de contaminação
pela covid-19 no Brasil.
Com mais de 10 mil mortes,
São Paulo continua sendo o Es-
tado mais afetado pelo vírus. A
elevação do número de óbitos
acontece em um momento de
flexibilização da quarentena e
retomada das atividades econô-
micas. Anteontem, por exem-
plo, os shoppings centers fo-
ram autorizados a iniciar a reto-
mada em horário reduzido e
com o cumprimento de medi-
das preventivas.
O Rio de Janeiro é o segundo
Estado com mais vítimas fatais.
Em terceiro vem o Ceará. O Es-
tado com menos mortes é Mato
Grosso do Sul, com 28 óbitos
registrados até agora.
O balanço é resultado da par-


ceria entre os jornalistas dos seis
meios de comunicação, que uni-
ram forças para coletar junto às
secretarias estaduais de Saúde e
divulgar os números totais de
mortos e contaminados. A inicia-
tiva inédita é uma resposta à de-
cisão do governo Jair Bolsonaro
de restringir o acesso a dados so-
bre a pandemia, o que ocorreu a
partir da semana passada.
Mesmo com o recuo do Mi-
nistério da Saúde, que voltou a
divulgar o consolidado de ca-
sos e mortes, o consórcio dos
veículos de imprensa continua
com o objetivo de informar os
brasileiros sobre a evolução da
covid-19 no País, cumprindo o
papel de dar transparência aos
dados públicos.
Ontem, a pasta informou que
o Brasil contabilizou 909 óbitos
e mais 25.982 pessoas infecta-
das pelo novo coronavírus.
Com isso, segundo o Ministério
da Saúde, no total são 828.810

casos confirmados e 41.828 mor-
tes causadas pelo coronavírus.

Estratégias. Especialistas
apontam que o altíssimo núme-
ro de mortes nos dois países –
Brasil e Reino Unido, os dois úni-
cos com mais de 40 mil mortes
além dos Estados Unidos – indi-
ca estratégias equivocadas no
enfrentamento da pandemia.
O microbiólogo e virologista
Rômulo Neris, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (U-
FRJ), afirma que o Reino Unido
mudou de estratégia com o au-

mento do número de casos.
“Eles abriram mão dos planos
de contenção no início da pan-
demia. Isso custou milhares de
vidas. O país mudou a perspecti-
va com o agravamento da pan-
demia e adotou o lockdown”,
diz o especialista.
“O Brasil adotou postura ne-
gacionista. As medidas de con-
trole não foram estabelecidas e
o isolamento social não teve o
suporte das autoridades”, diz o
especialista que atuou como
pesquisador visitante da Uni-
versidade da Califórnia até mar-
ço, mas decidiu voltar ao País
para ajudar no enfrentamento
da pandemia.
Passaram-se 53 dias desde a
primeira morte até o País atin-
gir 10 mil óbitos (entre 17 de
março e 9 de maio). Pouco mais
de mês depois, o Brasil ultrapas-
sa os 40 mil mortos em decor-
rência da covid-19.
O virologista Flávio Guima-
rães da Fonseca, que atua no
Centro de Tecnologia de Vaci-
nas e no Departamento de Mi-
crobiologia da Universidade Fe-
deral de Minas Gerais
(UFMG), destaca que os dois
países estão em momentos dife-
rentes da pandemia. “Desde o
crescimento do número de fata-
lidades no Reino Unido, eles
adotaram medidas importan-
tes que promoveram a queda da
transmissão comunitária. Ela
está em franca diminuição ou
na curva descendente. No Bra-
sil, ainda não alcançamos o pi-
co. A curva continua crescente.
Há um aumento diário no nú-
mero de casos e não há sinal de
decréscimo”, prevê o especialis-
ta que tem realizado estudos pa-
ra melhorar o diagnóstico da in-
fecção pelo coronavírus.

E-MAIL: [email protected]

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Enquanto avançam medidas de
liberação da economia, com a
abertura de shoppings e comér-
cio, o que aumenta a possibilida-
de de aglomerações e maior dis-
seminação da covid-19, São Pau-
lo se tornou o terceiro Estado,
província ou região do mundo
com mais casos de coronavírus.


De acordo com boletim da Se-
cretaria Estadual de Saúde, di-
vulgado ontem, o Estado regis-
trou 5.380 novos casos e totali-
zou 167.900 registros, ultrapas-
sando Nova Jersey, nos EUA,
com 166.164. Agora, o Estado
paulista fica atrás de Moscou
(202.935), na Rússia, e Nova
York (380.892), também nos
EUA. Em relação ao número de
mortes, SP registrou 223 novos
casos (10.368), com dados do
consórcio das mídias do Brasil.
Com os números, São Paulo
fica à frente de países como a
Inglaterra, que registra 156.018

casos de covid-19. Dos 645 muni-
cípios do território paulista,
houve pelo menos uma pessoa
infectada em 572 cidades, sen-
do 303 com um ou mais óbitos.
O avanço da doença corre pa-
ralelamente à flexibilização e à
retomada da atividade econô-
mica. O comércio de rua na cida-
de voltou a funcionar na quarta
com movimento intenso nos
principais centros populares.
As lojas cumpriram as medi-
das preventivas, como o uso de
máscaras. Por outro lado, hou-
ve filas e aglomerações na entra-
da. A retomada vem gerando

críticas. O infectologista Eliseu
Waldman considera a abertura
um erro. “Vai acontecer na capi-
tal o que está acontecendo no
interior. As cidades que já ti-
nham a classificação amarela,
que permitia até a abertura de
restaurantes, têm de retroce-
der e vão fechar em função ao
aumento do contato entre as
pessoas e a disseminação do ví-
rus”, opina o professor da Facul-
dade de Saúde Pública da USP.
Projeção do governo estima
que o número de mortes possa
chegar a 22 mil até junho. / G. J.

Brasil é o 2º país com mais mortos


lRetomada

Com 41,9 mil óbitos, País ultrapassou ontem a marca do Reino Unido e agora só está atrás dos EUA. Casos estão perto dos 830 mil


Luto. Coveiros trabalham no Cemitério Parque de Manaus, na capital amazonense, para enterrar as vítimas da covid-19

Seis em dez mantêm peso na quarentena. Pág. 22

Casos de covid-19

● As dez regiões, províncias ou Estados com mais registros

AS MAIS CONTAMINADAS

FONTE: UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Nova York (Estados Unidos)

Moscou (Rússia)

São Paulo (Brasil)

Inglaterra (Inglaterra)

Califórnia (Estados Unidos)

Illinois (Estados Unidos)

Lima (Peru)

Metropolitana (Chile)

Massachusetts (Estados Unidos)

Maharashtra (Índia)

381.714

202.935

167.900

156.410

143.646

130.603

125.640

124.135

104.667

97.648

Com 167.900 casos,


Estado está entre as três


províncias ou regiões


mais afetadas do mundo


pelo novo coronavírus


São Paulo tem mais casos de


covid-19 do que toda a Inglaterra


RANKING

FONTES: ESTADÃO, G1, O GLOBO, EXTRA, FOLHA E UOL, OMS E WORLDOMETERS INFOGRÁFICO/ESTADÃO

116.744

ESTADOS
UNIDOS

4.645CHINA

34.167ITÁLIA

41.901BRASIL

29.284FRANÇA

●Em números absolutos, País ocupa 2º lugar, atrás apenas dos EUA

0

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

11
JAN

12
JUN

41.566REINO UNIDO

Total de mortes

1

SANDRO PEREIRA/FOTOARENA–4/6/2020

“(O Brasil) é o único País
que discute a reabertura e
flexibilização ainda durante
o crescimento de casos.”
Rômulo Neris
MICROBIÓLOGO E VIROLOGISTA
DA UFRJ

Um negócio da China


Brasil paga agora algo perto
dos R$ 100 milhões para ter
a vacina só no ano que vem
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