O Estado de São Paulo (2020-06-14)

(Antfer) #1

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A2 Espaçoaberto DOMINGO, 14 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






A agência de fiscalização alfan-
degária e proteção de frontei-
ras dos Estados Unidos pediu
às empresas contratadas para
a construção do muro idealiza-
do pelo presidente Donald
Trump na divisa com o Méxi-
co que apresentem novos pro-
jetos para deixar a atual barrei-
ra que cobre centenas de quilô-


metros menos vulnerável.
Traficantes têm utilizado
serras para fazer buracos na es-
trutura de aço usando ferra-
mentas usadas para demoli-
ção. Outros usam escadas im-
provisadas com vergalhões de
ferro para pular o muro.

http://www.estadao.com.br/e/muro

D


emocracia tem tudo a
ver com imprensa li-
vre – imprensa de ver-
dade, conduzida de forma
aberta e responsável – e essa
verdade tem sido comprovada
no dia a dia do governo Bolso-
naro. O presidente mantém
uma simetria perfeita entre
seus atos contra as institui-
ções, como a presença em ma-
nifestações golpistas, e, de ou-
tro lado, o combate constante
aos meios de comunicação
profissionais e o apoio às cen-
trais de mentiras e de mensa-
gens de ódio. O horror do pre-
sidente e de seus minigoeb-
bels ao jornalismo decente já
ultrapassou as fronteiras da
política. Tornou-se um fato
também contábil, como de-
monstra, por exemplo, o pare-
cer preliminar do Tribunal de
Contas da União (TCU) sobre
as finanças federais de 2019.
Com 14 ressalvas, 21 reco-
mendações e 7 alertas, o pare-
cer recomenda, apesar de tu-
do, a aprovação do balanço en-
caminhado pelo presidente da
República. Mas passa longe de
recomendar o comportamen-
to presidencial em relação às
instituições e à sociedade feri-
da pela pandemia de covid-19.
Ao apresentar o documento,
numa sessão virtual, o relator
do processo, ministro Bruno
Dantas, propôs em primeiro
lugar um minuto de silêncio
em homenagem às vítimas do
novo coronavírus. Foi um ges-
to de respeito raramente esbo-
çado pelo presidente Jair Bol-
sonaro, até a sessão ministe-
rial transmitida ao vivo, há
poucos dias, numa encenação
de seriedade governamental.
“A democracia brasileira po-
de ser jovem”, disse o minis-
tro, “mas seu conceito não é
recente, nem é efêmera sua
construção. O abalo dos ali-
cerces de nosso Estado de Di-
reito Democrático não é um
mero recuo à década de 60 do
século passado. É um recuo
de oito séculos, ao período
medieval”. Ele falava, nesse
momento, da cooperação, da
independência e do respeito
entre os Poderes, noções fre-
quentemente renegadas, com

sua anuência silenciosa, por
apoiadores do presidente.
Mas às vezes, de fato, nem tão
silenciosa, como quando ele
anuncia – para em seguida se
corrigir – a disposição de rejei-
tar decisões do Judiciário ou
do Legislativo.
A defesa do Estado Demo-
crático de Direito foi mais de-
talhada quando o ministro
examinou a relação do Execu-
tivo com os meios de comuni-
cação. A distribuição de ver-
bas de publicidade, comen-
tou, tem seguido “critérios
pouco técnicos”. Mencionou
conflitos com a Folha de
S.Paulo e a ameaça de não re-
novar a concessão da Rede
Globo.
“Por certo”, concluiu o mi-
nistro nessa parte, “esse assun-
to não se esgotará aqui, deven-
do toda a sociedade e este tri-
bunal ficar vigilantes, atentos

e zelosos pela regularidade, le-
gitimidade e economicidade
dos gastos com comunicação
social do governo federal, vi-
sando a garantir a isonomia de
tratamento entre os veículos,
a imprensa livre e o compro-
misso com a verdade.”
Lambanças do governo
com verbas de comunicação
haviam sido denunciadas no
começo de junho pela Comis-
são Parlamentar de Inquérito
(CPI) das Fake News. Uma se-
mana antes de aparecer o rela-
tório do TCU, o público já ha-
via sido informado sobre a
destinação de verbas a canais
nada ortodoxos, dedicados,
por exemplo, à pornografia, a
jogos de azar, à promoção da
figura do presidente e, é cla-
ro, à difusão de fake news. Se-
gundo o relatório, elaborado
por consultores legislativos,
mais de 2 milhões de anún-
cios foram publicados em si-
tes dessa qualidade num cur-
to intervalo, em 2019. Dados
da própria Secretaria de Co-
municação Social da Presidên-

cia (Secom), referentes a ju-
nho e julho, foram usados pe-
los consultores.
A maior parte dos anúncios
foi destinada, segundo o rela-
tório, à promoção da reforma
da Previdência. O projeto foi
defendido até em sites de ati-
vidades ilegais, como um dedi-
cado à publicação de resulta-
dos do jogo do bicho. Entre
os mais favorecidos havia 14
canais destinados ao público
infantojuvenil, um deles ca-
racterizado pelo uso do idio-
ma russo. Sites de notícias fal-
sas foram identificados em po-
sições de destaque, assim co-
mo páginas de apoiadores do
presidente Bolsonaro.
Divulgado o relatório, a di-
reção da Secom tratou de se
defender numa nota. Segun-
do o texto, a destinação das
verbas era decidida pelo siste-
ma Google AdSense, por
meio de um algoritmo. A ex-
plicação deveria caber, portan-
to, ao Google. O responsável
pela Secretaria de Comunica-
ção exibiu, na tentativa de de-
fesa, ignorância de noções
fundamentais de administra-
ção. Um gestor pode transfe-
rir e até privatizar tarefas,
mas a responsabilidade é in-
transferível. Mais que chocan-
te, o desconhecimento ou me-
nosprezo desse fato é inaceitá-
vel quando se trata de gestão
pública – mais precisamente,
de dinheiro público.
Os muito otimistas pode-
rão apostar em mudanças.
Descumprindo mais uma de
suas promessas, o presidente
acaba de recriar o Ministério
das Comunicações. Escolhido
para o posto, o deputado Fá-
bio Faria (PSD-RN) é genro
do empresário Sílvio Santos.
O ex-chefe da Secom será se-
cretário-geral, isto é, vice-mi-
nistro. Só haverá mudança,
obviamente, se o novo minis-
tro renegar a política da Se-
com e do presidente e seguir
os valores do Estado Demo-
crático de Direito. Como fa-
zer isso e ao mesmo tempo
obedecer a um Bolsonaro?

]
JORNALISTA

Pandemia deve trazer uma
nova ideia de ocupação do
espaço público.

http://www.estadao.com.br/e/podcast

ESTADOS UNIDOS


Muro de Trump está cheio de buracos


Com restrições de mobilida-
de, milhões deixaram de bus-
car contraceptivos. Gover-
no estima 500 mil nascimen-
tos não planejados em 2021.

http://www.estadao.com.br/e/indonesia

l“Está fazendo o mesmo que o Temer: comprando deputados para evi-
tar o impeachment.”
GUSTAVO H. SCHMITT

l“Os apoiadores, além de ter o trabalho de defender os Bolsonaros,
vão ter de ‘passar pano’ para o Centrão.”
ROGERIO BARROS SILVA

l“O corporativismo deles é ‘admirável’. Esta situação jamais irá mu-
dar, são eles mesmos que fazem as leis.”
ANDRÉ SANTOS DE BRITO

l“Só pode ser desespero, né presidente? O senhor fazer um acordo
com o Centrão.”
ELIANE STUCKERT

INTERAÇÕES

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

SoftBank criou fundo de
oportunidades de US$ 100
milhões, que investirá exclu-
sivamente em fundadores
de startups negros.

http://www.estadao.com.br/e/blm

Espaço Aberto


The life so short,
the craft so long to learn”

Geoffrey Chaucer


“A


vida tão curta, o ofí-
cio tão longo de
aprender”, poderia
ser essa a tradução para nossa
língua do belo inglês medieval
com que Chaucer traduziu o
conhecido e um tanto insípido
original em latim: “ Ars longa,
vita brevis
”.
Em junho do ano passado es-
crevi neste espaço texto que ti-
nha por título O primeiro inver-
no do governo Bolsonaro
. O arti-
go tratava da importância de es-
timular debates políticos “vigo-
rosos e eficazes” (Rorty) e nota-
va que isso exigiria a superação
da excessiva polarização vigen-
te e um gradual deslocamento
para o centro, de forma que pu-
dessem restar atenuadas as po-
sições extremadas que marca-
vam o precário debate nas re-
des sociais. O texto comentava
ainda que esse sonho teria de
ser construído ao longo dos me-
ses e anos seguintes, porque
era difícil imaginar que pudés-
semos seguir com o grau de po-
larização, surpresas e incerte-
zas que marcaram os primeiros
seis meses do governo.
E, no entanto, as incertezas,
dubiedades e contradições, em
lugar de arrefecer, só fizeram
acentuar-se desde então. A po-
larização acerba que aquele tex-
to apontava terá sido a marca
dos primeiros 18 meses do go-
verno Bolsonaro, que serão al-
cançados ao fim deste mês e
correspondem a 40% do tem-
po de que dispõe até as eleições
de outubro de 2022.
Ainda este ano o Brasil elege-
rá nada menos que 5.570 prefei-
tos, e cerca de 57.800 vereado-
res. Essa disputa costuma dar-
se em torno de agendas locais
ou, no máximo, estaduais, à ex-
ceção de algumas grandes capi-
tais. Caso queiramos tentar evi-
tar, em outubro de 2022, uma
reencenação da experiência de
2018, desde este ano de 2020 as
coisas deveriam passar-se de
forma diferente. Dois versos
do famoso poema de Yeats The
Second Coming
(1939) vêm à
mente: “ The center does not


hold/ things fall apart ” (o centro
não se sustenta, as coisas en-
tram em colapso).
Há razões para acreditar que
“as coisas” estão mudando, e
podem continuar a mudar. O
presidencialismo de confron-
tação permanente – com adver-
sários que, embora legítimos,
são vistos como inimigos a se-
rem batidos, derrotados nas
ruas, nas redes e, se necessário
for, pelas armas – vem encon-
trando resistência. Resistên-
cia por parte dos outros Pode-
res, da mídia profissional e,
crescentemente, por parte ex-
pressiva da sociedade. Daí a im-
portância das eleições munici-
pais deste ano. Seus resultados
terão forçosamente influência
nas eleições de 2022.
Aplicam-se ao Brasil de hoje
as palavras com que Barack
Obama, em discurso recente,
se referiu a seu país: “Por mais

trágicas que as últimas sema-
nas tenham sido, (...) elas tam-
bém foram dias de oportunida-
des incríveis para que as pes-
soas acordem para algumas
questões – e (...) para que tra-
balhemos juntos para enfren-
tá-las”. Obama referia-se à
pandemia de covid-19 e ao ra-
cismo, que chamou “praga e
pecado original da sociedade
americana”. Ao final de seu dis-
curso, realçou a importância
do voto; ao tratar da discussão
na internet sobre votar versus
protestar , sobre participação po-
lítica versus desobediência civil ,
apontou a necessidade de “res-
saltar qual é o problema, fazer
as pessoas que estão no poder
desconfortáveis, mas também
(de) traduzir isso em leis”. Lá,
como aqui, nos três níveis de
governo.
Gradualmente, insisto, a so-
ciedade brasileira vem se ex-
pressando mais. Em poucos
meses, com as eleições munici-
pais, haverá ocasião especial-
mente relevante para fazê-lo.
Será fundamental que a expres-

são – de vontade, de opinião –
resulte de cuidadosa avaliação:
sobre quem os partidos indica-
ram, sobre como conduziram
suas campanhas, sobre as even-
tuais novas faces que terão sur-
gido e se mostrado dispostas a
de fato contribuir para mudar
para melhor a vida das pessoas
no âmbito de suas respectivas
cidades, sobre quantos, enfim,
terão demonstrado real conhe-
cimento dos desafios a enfren-
tar – e não se limitado a expres-
sar platitudes, chavões batidos
e promessas fadadas ao des-
cumprimento.
Volto à epígrafe deste artigo.
A parte inicial da expressão me-
dieval de Chaucer pouco se
aplica a países, que só muito
raramente têm a vida “tão cur-
ta”. Mas a palavra craft , quan-
do precedida do vocábulo sta-
te , significa ofício de estadistas


  • statecraft. Este será sempre,
    para países, um ofício “longo
    de aprender”.
    Países que não têm pratican-
    tes desse ofício e não estimu-
    lam seu surgimento tendem a
    ficar para trás com relação aos
    que os têm e que o fazem. Estes
    produzem – por meio do fun-
    cionamento da democracia, pe-
    lo voto – lideranças (o plural é
    importante). Que se caracteri-
    zam por respeito aos fatos, ca-
    pacidade de coordenação, pre-
    disposição ao diálogo franco
    com pessoas e partidos de vi-
    sões diferentes, incluídos aí ad-
    versários políticos, que podem
    discordar, mas também con-
    cordar em matérias de interes-
    se geral – e não devem ser vis-
    tos, todos, como inimigos.
    Statecraft , está claro, é o que
    não temos hoje em nosso país
    e, a julgar por estes primeiros
    18 meses, não teremos nos 60%
    do tempo que resta até as elei-
    ções de outubro de 2022. O pre-
    sidente – e seus fiéis seguido-
    res – julgam que esses 60%
    constituem pouco tempo. Mui-
    tos outros discordam, legítima
    e pacificamente. Como é natu-
    ral em democracias.


]
ECONOMISTA, FOI MINISTRO
DA FAZENDA NO GOVERNO FHC
E-MAIL: [email protected]

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
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]
Pedro S. Malan


Tema do dia


Fontes de energia renovável
podem ocupar espaço deixa-
do por cortes na produção.

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O segundo inverno


do governo Bolsonaro


O presidencialismo de
confrontação vem
encontrando resistência
crescente na sociedade

Dinheiro público, dinheiro


sujo e guerra à democracia


Até o TCU entra
na briga pelo Estado
de Direito contra a
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    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Base de Bolsonaro,


1/4 do Centrão é


alvo da Justiça


Entre os cerca de 200 deputados do
bloco informal, ao menos 60 respondem
por crimes ou ações por improbidade

]
Rolf Kuntz

JABIN BOTSFORD/WASHINGTON POST IGUALDADE

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