Crusoé - Edição 112 (2020-06-19)

(Antfer) #1

Foucault (1926-1984): “em sua
paranoica denúncia dos estratagemas
de que, segundo ele, o poder se valia
para submeter a opinião pública a
seus ditames, ele negou até o final a
realidade da Aids – doença que o
matou – como mais um logro do
establishment e de seus agentes
científicos para aterrorizar os
cidadãos, impondo-lhes a repressão
sexual”.


Tirando a morte, basta reler a
frase acima trocando “Aids” por
Covid-19 e “sexual” por “ao direito
de ir e vir” e temos a descrição do
comportamento do presidente, que,
em reunião ministerial, conclamou o
povo até a pegar em armas contra a
repressão de governadores e
prefeitos. Neste ponto, Bolsonaro é
o Foucault de Glicério (cidade
paulista onde nasceu): sem o lado do
“mais inteligente pensador de sua
geração” e das “investigações em
diversos campos do saber”, mas com
a vocação “provocadora” que vira
“mera insolência intelectual” e


“propensão ao sofisma”. Um caso
menos “paradigmático” que o do
filósofo francês.

Curiosamente, Foucault é um dos
pensadores descritos pelo filósofo
conservador britânico Roger Scruton
(1944-2020) no livro de 1985
“Pensadores da nova esquerda”
(definição conceitual hoje deturpada
e disparada como xingamento pela
militância bolsonarista contra
qualquer crítico do governo). “Lendo
suas últimas obras, fui
constantemente tomado pela ideia de
que seu beligerante esquerdismo era
não uma crítica da realidade, mas
uma defesa contra ela”, escreveu
Scruton. Bolsonaro ainda posa de
cristão conservador, mas, em sua
defesa beligerante contra a realidade,
faz jus à tradição da nova esquerda
negacionista – temperada com a
emoção erótica tupiniquim.

É um homem medíocre, em berço
esplêndido, na civilização do
espetáculo.
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